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É, muito sinceramente, um luxo a que ninguém se pode dar hoje em dia, mas a verdade é que este disco esteve dois anos em preparação. Têm nas
liner notes do Agustí – esclarecedora, sensível e honesta síntese do processo – toda a informação sobre a sua génese, mas devemos ainda assim esclarecer um par de coisas: primeiro, no que se entende como uma das maiores características da sua personalidade, o seu autor atribui-nos um crédito excessivo; o mérito de “
El laberint de la memòria” (“O Labirinto da Memória”, em catalão) é todo seu e qualquer defeito que lhe detectem dever-se-á ao pressuposto com que o abordámos. Depois, não menciona a sua extrema boa vontade, paciência, dedicação e disponibilidade durante a discussão daquilo que, a princípio, lhe pode ter soado completamente a despropósito: a sugestão de que deveria produzir um disco livremente baseado na música espanhola para piano dos últimos – arredondando – 100 anos.
Podemos tê-la colocado de forma diferente e, seguramente, embelezado, mas basicamente foi isso. Temos uma série de esforçadas, bem intencionadas e cada vez menos relevantes teorias sobre as razões que nos levaram a convidá-lo, e todas empalidecem em comparação com aquilo que o Agustí efectivamente produziu. Porque o que começou como um desafio para aceder ao inconsciente colectivo transformou-se num pessoal, comovente e intenso exercício sobre a memória individual e uma reflexão sobre a passagem do tempo. É ainda – uma eternidade no contexto da música improvisada – o seu primeiro disco a solo em sete anos.
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Embora, de forma abstracta, ainda encontremos nestas peças fragmentos do material de partida (compilámos para lhe enviar dois CDs com 42 obras para piano solo, escritas entre 1864 e 1981 por compositores como Garbizu, Granados, Albéniz, Falla, Guridi, Mompou, Blancafort, Turina ou Gerhard), ouvimo-las mais como um acto de transcendência do que de tradução, e menos ainda de interpretação. Nesse particular – estando, por exemplo, familiarizados com o trabalho do Agustí no Electro-Acoustic Ensemble de Evan Parker (ECM), no quarteto com Parker, Barry Guy e Paul Lytton (Maya) ou no trio com John Edwards e Mark Sanders (Psi) – seria de esperar que tivesse o pianista simplesmente atomizado os elementos ao seu dispor. Mas o seu rigor intelectual não o permitiu.
A legítima opção de tudo implodir e expandir através das técnicas que normalmente emprega ao piano foi preterida. O Agustí preferiu uma perspectiva que enfatizasse as qualidades em comum nas peças originais. E embora tenha hesitado e por mais do que uma vez alterado a sua forma de actuar – e levar tempo a gravar é praticamente negar os instintos de um improvisador – encontrou um caminho. De forma tocante, “El laberint de la memòria” é dedicado aos seus pais, ambos falecidos durante o período em que este tão íntimo álbum foi ganhando forma e sentido.
Recentemente, Agustí Fernández lançou “Vents” (c/ Joan Saura, Psi), “Ambrosia” (c/ Joe Morris, Riti) e “Kopros Lithos” (c/ Peter Evans & Mats Gustafsson, Multikulti).
Discografia e biografia completas no seu site.