Amores e desamores, amantes e amigos, viagens e passeios: B Fachada cumpre a promessa e edita ainda em 2009 aquele que, não sendo só sério, é o seu primeiro álbum a sério. Cobre-se de cores outonais, aconchega-se em invernosa prudência e revela com imperturbável clareza a dimensão de um talento que só os mais esperançosos anteciparam nesta exacta medida, toda ela transbordante, impetuosamente juvenil e impossivelmente vívida.
Há um par de anos que B Fachada vem semeando campos. E é da ordem natural das coisas que se provem uns mais férteis do que outros. Por isso, que não se sobressalte quem não apanhou todas as trovas que ao vento lançou. Até porque – nos early years mais irredutíveis que se possa imaginar (EP “Até-Toboso”, Merzbau, 2007; EP “Sings the Lusitanian Blues”, Merzbau 2008; EP “Mini CD (Produzido por Walter Benjamin)”, Merzbau 2008; EP “Viola Braguesa” Merzbau/FlorCaveira 2008; CD “Um Fim-de-Semana no Pónei Dourado”, FlorCaveira 2009) – nem todas indiciavam um domínio tão efectivo da arte da canção quanto aquele que por ora atinge, nem tal propósito serviam.
Confortavelmente homónimo, “B Fachada” – o álbum – é o retrato de quem esperou pela passagem das estações, de quem teve temperança na hora da colheita e soube aproveitar só a fruta madura. Escolheu materiais, acumulou contos, duvidou de algumas coisas e ouviu muitas outras. Nos poucos meses passados desde “Um Fim-de-Semana no Pónei Dourado” testemunhámos um processo que, à falta de termo mais exacto e menos dependente da nossa própria perspectiva, qualificaríamos como… humilde. Longe da contrição, esta humildade em Fachada é de natureza mais prática: valorizar o trabalho, aguçar os sentidos, analisar com rigor o que havia feito e o que desejava vir a fazer, aperfeiçoar-se constantemente. Agora que do estúdio regressou com estas canções tingidas de dourado, necessariamente reflexivas mas nem por isso austeras, percebemos que o seu inverno é só um estado em que derrama luz de forma mais doce e concentrada.
Fachada – sem que por isso se pareça especialmente interessar – obriga-nos a reflectir sobre o tempo. Não é todos os dias que chega um álbum com pouco mais de meia hora capaz de relembrar que a duração de um disco é infinitamente multiplicável. Nessa medida, estas onze canções apontam para um futuro em que, como sempre nestes casos, são a única certeza. Simultaneamente, actuam de forma retroactiva num nostálgico folhetim em que cabem as melhores páginas de um cancioneiro tão recente quão recente é a sua descoberta. Tudo isto terá implicações extraordinariamente profundas, mas, no mínimo, aponta para que o tempo em que vive não possa ser o mesmo em que vivem os outros. Isto é, não é costumeiro – nem aqui nem em lugar algum – que um só activista transtorne assim um ano de música.
Mas nem tudo em Fachada gira em torno de si. Por mais assimiladas no seu léxico autoral que estejam, há por aqui inúmeras referências que, em brincadeira, consideramos sacudir o pó a muitas décadas. Da melodia de ‘Queda do Império’ de Vitorino em ‘A Velha Europa’ aos acordes do ‘Lean on Me’ de Bill Withers na introdução de ‘Só Te Falta Seres Mulher’ – e que os títulos se adeqúem foi tudo menos premeditado, garantimos – há um imenso gosto em evocar, de que o ‘Responso Para Maridos Transviados’ é o exemplo evidente. E a cada dia que passa há mais gente a encontrar provas do que nem se imagina intencional: que ‘Kit de Prestidigitação’ pega no ‘Manual de Prestidigitação’ de Mário Cesariny, que ‘A Bela Helena’ é um blues sacado a Louis Armstrong e King Oliver ou que a capa pisca o olho ao ‘Baile no Bosque’ dos Trovante. E por aí fora conforme mais gente tiver o disco nas mãos. Porque, no limite, é isso que Fachada faz melhor: simular que é – ou que deveria ser – feito por si o mundo que há já na cabeça de cada um. E todos sabemos ser essa a maior ilusão da pop... E a sua maior subtileza.