O Impressionismo e o Minimalismo, em termos estéticos e
técnicos gerais, foram, de certa forma, os pilares e o ponto de partida óbvios para
a criação deste quarteto. Mas a verdade é que na base concreta de tão
megalómana empreitada esteve a imprevista escrita de duas peças solistas – “La
Rêverie et les Couleurs” e “Fim da Eternidade” – em que se impuseram, quase
inadvertidamente, características essenciais desses estilos. Conciliá-los
expressivamente – ainda que trabalhando-os em separado – possibilitou-me
descobrir-lhes traços comuns e alimentar a ideia, primeiro, de que talvez fosse
possível convertê-los, com tudo o que os distingue, para um mesmo campo
empírico, e, segundo, que a enfática solução para essa monumental convergência de
textura, densidade e cor, passaria por uma questão de escala. O que me
permitiu, paralelamente, refletir acerca da minha mais antiga preocupação
artística: a radical transformação do cânone associado à guitarra portuguesa, dedicando-lhe
uma volatilidade que, em rigor, jamais possuiu. Subverter um cânone
socorrendo-me de outro – o do quarteto – provou-se simplesmente irresistível.
Não quis, todavia, e através da sua mais idiossincrática
personalidade, deixar de sublinhar a importância do Romantismo tardio nestas
conceções. Dois pequenos prelúdios de Skrjabin ilustram-no perfeitamente,
embora, até hoje, nunca tenha achado por bem adaptar ou transcrever para a
guitarra obras compostas para diferentes instrumentos. Mas acontece que estas
aforísticas miniaturas, publicadas em 1895 e 1903, podem ser interpretadas na guitarra
portuguesa no seu tom original – dei por isso tocando-as ao piano,
curiosamente, e senti-me convidado por Skrjabin a abordá-las, como se ele as
tivesse especialmente consagrado à minha guitarra. Foi um ato de comunhão com
um compositor de presença constante na minha vida e nos meus discos, desde os
meus 19 anos.
Não será muito difícil de perceber que o destino natural de tão
ambicioso projeto em pauta era a gaveta. Quiçá daqui a outros 70 anos tenhamos
disseminadas a proficiência e indiscrição necessárias para que uma assembleia
de quatro guitarras portuguesas venha sugerir o inesperado, ou, ao menos, apresentar
repertório próprio. Mas duvido. Por isso, porque, contra todas as previsões, de
facto isto se materializou, resta-me lembrar a titular figura da heteronímia e
dizer, como Fernando Pessoa, que “quando falo com sinceridade não sei com que
sinceridade falo”, agradecendo a disponibilidade aos guitarristas Ian
Richardson, Pierre Ricard e Wolff Richard von Gerhard e o prazer que me proporcionaram
ao cumprir este grandioso, histórico e épico momento musical. Sabem que estes
sons são apenas a fantasia de representar simbolicamente o inexprimível –
sonhos, cores, imagens, sensações –, e que é da fusão dessa fantasia com a
delirante e psicodramática realidade do indivíduo que nasce a música. Sem vocês
nada disto seria possível!
Ricardo Rocha