sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Agulha num palheiro II


Chico Hamilton Quintet
Complete Studio Recordings (1955-1956)
Edição: Fresh Sound

Buddy Collette (fl, cl, as, ts), Fred Katz (cello), Jim Hall (g), Carson Smith (b), Chico Hamilton (d). Entre uma supra-cool brisa west coast e ecos dos tambores longínquos que se erguiam desde o Pacífico (há por aqui uma “Blue Sands” que poderia bem figurar no “Exotica” de Martin Denny), Chico Hamilton liderou um dos mais emblemáticos quintetos da década de 50. A sua presença no perfeito “Sweet Smell of Success” (filme de 1957, de Alexander Mackendrick e com argumento de Ernest Lehman) retrata-o exemplarmente como um grupo de arrojadas soluções formais mas com vida natural em caves fumarentas, em que segredos se trocam entre mesas mais depressa do que copos vazios. Hamilton é um dos mais “musicais” bateristas da história do jazz, profundamente inventivo e com uma generosa subtileza muito dedicada aos solistas. Nesta fase da sua carreira, com um quinteto exemplar no contraponto, na astúcia tímbrica e elegância rítmica – os diálogos entre a guitarra de Jim Hall e o violoncelo de Fred Katz, pontuados pela flauta de Buddy Collette, aproximam-se tanto da música barroca quanto do swing mais primevo – esteve a um nível tão ou mais ousado que o Modern Jazz Quartet. Acompanhem Chico Hamilton.


Fred Katz
Music Of Fred Katz (1957)
Edição: Fresh Sound

Fred Katz (cello, conductor), Paul Horn (as, fl, cl), John Pisano (g), Carson Smith (b), Joe Howard, Herbie Harper, Dick Noel (tb), Harry Klee (fl), Marty Berman (bassoon), Willy Schwartz (cl), Julie Jacobs (oboe). Perfeitamente complementar ao seu papel no quinteto de Chico Hamilton, surge este “Zen/The Music of Fred Katz”, exemplo nada canónico de Third Stream e que se definirá melhor como um antepassado directo de certas experiências muito mais recentes de Tim Berne, Hank Roberts ou Erik Friedlander. Com distintos arranjos (Katz tinha sido aluno de Pablo Casals) e um Paul Horn com aquela curiosidade melódica que em boa hora o haveria de conduzir à Índia e ao Brasil (ao contrário de muitos, só encontramos virtudes em “Inside the Taj Mahal” ou “Altura do Sol”), foi uma experiência que, infelizmente, não teve propriamente seguimento. A reedição do ano passado de “Folk Songs For Far Out Folks” pela Reboot Stereophonic fez no entanto correr muita tinta. Para acabar, ficam outras coordenadas no horizonte: Roger Corman e John Zorn.


Gabor Szabo
1969 (DIGIPAK)
Edição: Skye

Gabor Szabo (g), François Vaz (g), Louis Kabok (b), Randy Cierly (Fender bass), Mike Melvoin (organ), Jim Keltner (percussion), George Ricci (cello). “Spellbinder” e “The Sorcerer” tinham marcado a linha de água de outro ex-colaborador de Chico Hamilton. E um gosto pela música pop do seu tempo e pelos arranjos de Gary Mcfarland estabeleceram o mito. Em 1969 Szabo tocava Joni Mitchell, Beatles, Four Tops e Buffie St. Marie. E estava entre o mais aromático fim de tarde e a “110th Street” a que se haveria de dedicar um ano mais tarde com Bobby Womack. Verão eterno.


Gerry Mulligan & Paul Desmond Quartet
Blues In Time (1957)
Edição: Fresh Sound

Gerry Mulligan (bars), Paul Desmond (as), Joe Benjamin (b), Dave Bailey (d). Um pouco na sombra de um “Reunion” com Chet Baker” ou do “"Mulligan Meets Monk", este “Blues In Time” (original da Verve) nunca poderá estar no Top10 de Mulligan apenas porque 10 era o número de álbuns que o saxofonista gravava num ano bom (como foi 1957). Não será por isso que será menos do que superlativo, com os sopradores confiantes, relaxados e em constante comunicação, capazes do mais macio traço melódico e do mais desembaraçado improviso, jogando com os tempos e com a natureza mais áspera e lustrosa de cada saxofone.


Stan Getz & Gerry Mulligan
Stan Getz Meets Gerry Mulligan (1957)
Edição: Fresh Sound

Stan Getz, Gerry Mulligan (ts, bars), Lou Levy (p), Ray Brown (b), Stan Levey (d). Reedição de "Getz Meets Mulligan In Hi-Fi", para a Verve, famoso pela ideia dos saxofonistas em trocar de instrumentos em três temas. Assim, Getz toca barítono e Mulligan tenor em “Lets Fall in Love”, “Too Close For Confort” e “Anything Goes”. Claro que Charlie Parker tinha já produzido aquilo com que nem Adolphe Sax havia sonhado, mas o que é certo é que, nestes anos, entre também o que gravava Art Pepper ou Sonny Rollins, o saxofone se reinventou com a segurança que conduziu ao passo em frente da década de 60. Aqui tudo escorrega mais do que manteiga. Só virtudes.


Toshiko Akiyoshi & Her International Jazz Sextet
United Notions (1958)
Edição: Fresh Sound

Nat Adderley (cornet), Doc Severinsen (tp), Rolf Kuhn (cl, as), Bobby Jaspar (fl, ts, bars), Toshiko (p), René Thomas (g), John Drew (b), Bert Dahlander (d). Um leque de instrumentistas exemplares (alguns provenientes de terras distantes e ainda com as malas por desfazer nos Estados-Unidos), guiados pelo talento de Akiyoshi em transformar meia dúzia de músicos pouco familiarizados entre si numa oleada orquestra. Generoso espaço para solos (Jaspar e Thomas estão particularmente preciosos) com o sensato clarinete de Kuhn muitas vezes em primeiro plano, sem nunca balançar demais ou perder um enxuto carácter que lhe imprime airosa modernidade. A ideia terá sido representar o jazz como ONU: Toshiko (Manchúria-Japão), Jaspar e Thomas (Bélgica), Drew (Inglaterra), Kuhn (Alemanha), Severinsen e Adderley(EUA) e Dahlander (Suécia). Mas aqui o entendimento é francamente maior. Pós-Bop de primeira apanha.




Yusef Lateef
Yusef's Mood: Complete 1957 Sessions with Hugh Lawson (4CD BOXSET)
Edição: Fresh Sound

Yusef Lateef (ts, fl, argol, scraped gourd, tambourine, Indian reed whistle, vcl), Curtis Fuller (tb, tambourine, Turkish finger cymbals), Wilbur Harden (flgh, tambourine, cow bell, balloon), Hugh Lawson (p, metalphone, ocarina, cow bells, etc). Não foi apenas Herbie Mann que gravou mais de 10 álbuns em 1957. Yusef estreou-se como um big bang, editando na Savoy, Prestige, Verve e New Jazz logo no seu primeiro ano enquanto líder. Nesta caixa estão reunidos: “Jazz For The Thinker”, “Stable Mates”, “Jazz Mood”, “Before Dawn”, “Jazz and the Sounds of Nature”, “Prayer to the East”, “The Sounds of Yusef” e “Other Sounds”. Um passo de gigante com todas as músicas do mundo dentro do jazz. Um compêndio para uma carreira que dura até hoje.Mais informações.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

R. Stevie Moore, 400 edições depois

R. Stevie Moore "Here Comes Summer Again"

Agulha num palheiro I



Art Farmer-Gigi Gryce Quintet
Complete 1954-1955 Prestige recordings

Edição:Fresh Sound

Art Farmer (tp), Gigi Gryce (as), Horace Silver, Freddie Redd, Duke Jordan (p), Percy Heath, Addison Farmer (b), Kenny Clarke, Art Taylor, Philly Joe Jones (d); dois LPs Prestige neste CD: "When Farmer Met Gryce" e "Art Farmer Quintet feat. Gigi Gryce". Gravados após o seminal “Farmer’s Market” e antes de Gryce se lançar em novo quinteto com outro trompetista (Donald Byrd, com quem gravou em 1957 um marcante “Gigi Gryce and the Jazz Lab Quintet”), recordam um tempo de renovação para o bebop, de profunda elegância ao nível dos arranjos e com solistas incapazes de marcar passo, tocando sempre de dentro para fora dos temas, num maturado processo que surge pleno e acabado, sem nunca sugerir outra coisa que não uma profunda simbiose num conjunto de personalidades capazes de, cada uma à sua maneira, marcar a sua era.



Bob Brookmeyer
Modernity of Bob Brookmeyer - 1954 quartets

Edição:Fresh Sound

Bob Brookmeyer (vtb); Jimmy Rowles, John Williams (p); Buddy Clark, Bill Anthony, Red Mitchell (b); Mel Lewis, Frank Isola (d). Reunião num só CD do LP da Clef/Verve "Modernity of…" e do da Pacific Jazz "Bob Brookmeyer Quartet". Saído da banda de Stan Getz, em 54 Brookmeyer pertencia ao quarteto de Gerry Mulligan, com o qual gravou pelo mundo fora e terá cristalizado, no LP “At Storyville”, de 56, uma forma moderna de questionar os modelos dominantes nas pequenas formações de jazz. Em nome próprio, o registo era bastante mais fluído (com auxílio do sempre judicioso piano de Rowles), com pé seguro numa tradição que vinha de Jack Teagarden e que seguiria com J.J. Johnson, melódica e envolvente. Para coleccionadores: em 58, sob tutela de Jimmy Giuffre, gravaria outro LP de inusitado risco formal, “Trav’lin’ Light”, com os dois sopradores acompanhados apenas por Jim Hall na guitarra. Em 1959, a Blue Note editaria um inesperado “Ivory Hunters”, com Brookmeyer ao piano e Bill Evans no segundo piano.



Carmen Mcrae
First sessions (1953-1955)

Edição:Fresh Sound

Mat Mathews’ Quintet: Herbie Mann (fl, ts), Mat Mathews (acc), Mundell Lowe (g), Wendell Marshall (b), Kenny Clarke (d). Tony Scott’s Quartet: Tony Scott (cl, p), Dick Katz (p), Percy Heath (b), Osie Johnson (d). Dick Katz’ Quartet: Carmen McRae (vcl, p); Inclui os álbuns Bethlehem "Carmen Mcrae" e Decca "By Special Request".




Ernestine Anderson
Hot Cargo: Ernestine in Sweden (1956)
Edição:
Fresh Sound

Rolf Ericsson (tp); Cecil Payne (bars); Duke Jordan, Ulf Wesslen, Thore Swanerud (p); John Simmons, George Riedel (b); Art Taylor, Egil Johansen (d). Harry Arnold and His Orchestra: Sixteen Eriksson, Weine Renliden, Bengt-Arne Wallin, Benny Bailey (tp); Arne Domnerus (cl, as); Ake Persson, Georg Vernon, Andreas Skjold, Goran Ohlsson (tb); Rolf Lindell (as); Carl-Henrik Norin, Bjarne Nerem, Rolf Blomquist (ts); Lennart Jansson (cl, bars); Rolf Larsson, Thore Swanerud (p); Bengt Hogberg (g); Georg Riedel (b); Egil Johansen (d); plus 9-piece string section.; Álbuns para a Mercury e Metronome "Voice In Satin" e "Hot Cargo".



Hank Jones
Quartet & Quintet (1955)
Edição:
Fresh Sound

Donald Byrd (tp), Hank Jones (p), Eddie Jones (b), Kenny Clarke (d), Matty Dice (tp), Herbie Mann (fl). Reedição do álbum para a Savoy “Quartet/Quintet” com dois temas bónus retirados do LP “Bluebird”. O grupo diz quase tudo: espaçoso, temperado e lânguido num alinhamento dedicado às baladas e aos tempos lentos (como nos 15 minutos de “An Evening At Papa Joe’s”, de Frank Foster, e nos mais de 7 do nostálgico “Summer’s Gone”, de Frank Wess). “Bluebird”, de Charlie Parker, é um dos extras e é aí que está Herbie Mann, concentrado, enérgico e com rédea solta… Toda uma outra história.



Herbie Mann
Great Ideas of Western Mann (1957)

Edição:Fresh Sound

Jack Sheldon (tp), Herbie Mann (fl, bcl), Jimmy Rowles (p), Buddy Clark (b), Mel Lewis (d).
Bónus: "Blues For Tomorrow" para a Riverside; "Magic Flute Of..." para a Verve. Num período em que gravava 10 LPs por ano, dava para tudo. E “Great Ideas of Western Mann” é dos que melhor sobreviveu à passagem do tempo. Fundamentalmente, porque se tornou no primeiro LP de jazz em que o líder tocava exclusivamente o clarinete baixo (Mann deixou a flauta na gaveta).

Também disponível na Fresh Sound: Yardbird suite(1957)


Herbie Mann (fl, ts), Phil Woods (as), Eddie Costa (vb, p),Joe Puma (g), Wilbur Ware, Wendell Marshall (b), Jerry Segal, Bobby Donaldson (d). Como bónus ao álbum “Yardbird Suite”, surge "The Jazz We Heard Last Summer", ambos Savoy. A delícia está em ouvir Phil Woods e Mann ao tenor em três temas.




Pepper Adams
Complete regent sessions (1957)

Edição:Fresh Sound

Sonny Redd (as), Bernard McKinney (euphonium), Pepper Adams (bars), Wynton Kelly, Hank Jones (p), Doug Watkins, George Duvivier (b), Elvin Jones (d). Reunião dos LPs "Art Pepper With Sonny Redd" e "Cool Sound Of Pepper Adams". Basta olhar para os músicos envolvidos. Elvin Jones está aqui simplesmente dominador, Hank Jones toca o dobro das notas do costume e Pepper Adams, como sempre, combina a mais desarmante clareza emocional com o mais efectivo deslumbramento intelectual. McKinney, no Eufónio, contribui com o rapidíssimo “Like, What Is This?”.



Pepper Adams
Hollywood quintet sessions (1957)

Edição:Fresh Sound

Pepper Adams (bars); Stu Williamson, Lee Katzman (tp); Carl Perkins, Jimmy Rowles (p); Leroy Vinnegar, Doug Watkins (b); Mel Lewis (d)); Reedição da estreia de Pepper, "Quintet” e de "Critic's Choice". Este é, simultaneamente, um marco do bebop tardio, do pleno som west coast e do hard bop inicial. Acompanhar Pepper ao longo deste LP é quase seguir a História em andamento. Vinha de ganhar a categoria New Star na Downbeat a não quis deixar créditos por mãos alheias. Contribui com um blues original (“Blackout Blues”) reduzido à sua essência mais crua e prolonga a sua deliberada intensidade por temas de Tommy Flanagan e Thad Jones.



Sahib Shihab
Complete sextet sessions 1956-1957
Edição:
Fresh Sound

Eddie Bert (tb), Sahib Shihab (as, bars), Phil Woods (as), Benny Golson (ts), Bobby Jaspar (ts, fl), Hank Jones, Bill Evans (p), Kenny Burrell (g), Paul Chambers, Oscar Pettiford (b), Kenny Clarke, Elvin Jones(d). Duplo CD com material retirado de 5 álbuns, incluindo “Jazz Sahib” e “All Star Sextets”, na Savoy. Como bónus o LP “Night People” editado por Mort Herbert, o contrabaixista de Louis Armstrong. Sabendo hoje que a partida de Shihab para a Europa estava próxima – e o tempo que deixaria de gravar – não há como deixar de encarar estas gravações como uma despedida e uma enorme oportunidade perdida. Thom Jurek, guia-nos passo a passo no Allmusic.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Mutantes – Os Mutantes (1968)
Edição:
Lilith

Há que começar pelo princípio. Neste caso, por “Panis Et Circensis”. Até porque, convenientemente, o tema arruma com o ano de 67 antes de avançar naquela que o tempo soube consagrar enquanto peça central do psicadelismo. É que a canção manifesto de Caetano e Gilberto Gil é o “White Rabbit” brasileiro – e, simultaneamente, o seu “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” e o seu “Heroes And Vilains”. Mas não se fica só entre Londres e a Califórnia. Senão seria derivativa de uns Love, Byrds, Who, Frank Zappa, Captain Beefheart, Doors, Velvet Underground, Donovan ou Jimi Hendrix. Embora tenha eco de todos eles, define-se antes por acontecimentos e protagonistas que, de forma exemplar, ultrapassam a contingência do mundo anglo-saxónico sem precisar de guru importado. Rita Lee e os irmãos Arnaldo e Sérgio Dias Baptista oscilam entre a tutela da dupla teórica do tropicalismo e a boa onda da agulha do gira-discos. E aquilo que podia ser pouco mais do que samba rock em versão de garagem – e cá está Jorge Ben a saltar a fogueira – transforma-se no rebentar de uma bolha alimentada a fósforo. E depois há orquestrações de um Rogério Duprat com rédea livre: gamelão em piano de brincar, cuíca dodecafónica, marimba de plástico, órgão hammond dedicado à Jovem Guarda, Índia no Amazonas, Nordeste na Indonésia. E uma Françoise Hardy eternamente virgem, uns The Mamas And The Papas macumbeiros, Morricone em carrilhão de casa de bonecas, swinging Bombaim e Bolly-ié-ié. Começa com o jingle de um noticiário e acaba a saudar Gengis Khan. O regime militar acabou com a festa.

sábado, 2 de agosto de 2008

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Tamba Trio “1962-1966”
Edição:él

Quem é que estreou a “Garota de Ipanema” em disco? Não sei se há esta pergunta no Trivial Pursuit mas a resposta é mesmo Tamba Trio. Para Inglês o pormenor é tão importante que Ipanema até está mal escrito na contracapa desta antologia. Mas enfim. Antes da él de Mike Alway por eles se interessar já o Brasil lhes havia virado as costas e a A&M recuperado no fim da década de 60 – aí já Tamba 4. Mas aqui está o essencial dos seus três primeiros LPs para a Philips (“Tamba Trio, “Avanço” e “Tempo”, com bónus nos dois temas de “Tamba Trio Saluda México”), em pioneiros registos de bossa jazz (Carlos Lyra, Menescal & Bôscoli, Durval Ferreira, Marcos e Paulo Valle) que só ganham com uns maravilhosos vocalizos. Sol, sal e sul.

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Rita Lee “Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida (’72)”
Edição:Rev-Ola

Caetano, Gilberto Gil, Gal Costa e até Tom Zé, são hoje consagradamente alinhados com o Tropicalismo. Mas porventura os mais exemplares dos seus protagonistas – e os que gozam ainda de maior culto além fronteiras – são os Mutantes. Liderados por Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, e com Rita Lee ao microfone, conseguiram nos seus primeiros álbuns sintetizar na perfeição um ideário que passava pelo rock’n’roll, pelo kitsch (boleros, estilos regionais, etc), e por uma postura muito Maio de 68 que se traduzia numa posição de irreverência pronta a chocar as alas mais conservadoras da sociedade. Controversos, libertários e musicalmente ainda um absurdo quebra-cabeças que faz o delírio dos consumidores de música alternativa de todo o mundo (orquestrações de vanguarda para baladas, ensaios bluesy misturados com música concreta, samples televisivos combinados com histórias de faca e alguidar, etc) tiveram actividade irregular desde 1972. Precisamente o ano em que Rita Lee decidiu gravar um segundo álbum a solo (após “Build Up”, de 1970). Menos convencional que o primeiro ensaio, “Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida” é um regresso à adorável demência da banda, completamente original, num ponto sub-equatorial entre Frank Zappa e Soft Machine, e simultaneamente pop e psicadélico. E é a partir daqui que Rita Lee se tornaria imparável, durante mais de 30 anos.

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Nara Leão “Nara (’67) / Vento de Maio (’67)”
Edição:él

Em 1967 Nara Leão sentia necessidade de reavaliar a sua posição na música brasileira. Cansada do rótulo de “musa da bossa nova” – por no apartamento de seus pais, em Copacabana, se reunirem desde início dos anos 60, em muitas tardes, músicos e compositores como Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, João Gilberto, Eumir Deodato ou Carlos Lyra - havia decidido estrear-se em disco (Nara ’64) gravando sambas de compositores do “morro”, como Zé Kéti, Nelson Cavaquinho ou Cartola. No fundo, era consequente no seu interesse pela música popular. Mais chocante tinha sido a sua participação na peça de contestação ao regime militar, “Opinião”, que resultou em mais um disco, “Opinião – o canto livre de Nara” (de ‘65) com Zé Kéti e João do Vale. Nesse espírito tinha acabado de gravar mais dois LPs, “Nara pede passagem” e “Manhã de liberdade” (em que se destacavam temas de Chico Buarque, entre os quais a estreia da imortal “A banda”). Mas era em 1967 que procurava enfim conciliar todos os seus interesses – antes da participação no disco manifesto “Tropicália ou Panis et Circenses” um ano mais tarde e, por fim, de se realinhar com a bossa nova, género dominante nos seus álbuns até à sua morte em 1989 – gravando dois LPs: “Vento de Maio” e “Nara”, produzidos por Dori Caymmi, Óscar-Castro Neves e Aloysio de Oliveira - com participação de Gilberto Gil em “Noite dos mascarados” e de Edu Lobo em “De onde vens” - agora nesta edição integralmente representados, pela primeira vez em CD!

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Marcos Valle “Carioca Soul: Best of 1994-2008”
Edição:Far Out

Expoente (máximo?) da segunda geração da bossa nova, ganhou lugar ao sol com “Crickets Sing For Ana Maria” ou “So Nice (Summer Samba)”, mas é por uma das mais brilhantes sequências de álbuns de sempre na história da MPB (“Garra”, “Vento Sul” e “Previsão do Tempo”) que deve ser recordado. Claro que quem cresceu no Brasil lembra-o como autor da música de “Vila Sésamo”, dos anúncios de TV e trilhas para as novelas da globo ou pelo “Bicicleta” (procurem no youtube). Seja como for, estes últimos (quase) 15 anos na Far Out reacenderam a chama - disso não restam dúvidas. Ainda assim, saudades.

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Gilberto Gil “Frevo Rasgado (1968) / Cérebro Electrónico (1969)”
Edição: él

O que é que eles estavam a pensar? Gil, Caetano, Doris Monteiro ou Roberto Carlos – quantos álbuns homónimos é que conseguiram editar? “Frevo Rasgado” e “Cérebro Electrónico” referem-se aos nomes dos primeiros temas. 68, ano de “Tropicália ou Panis et Circensis”, ano de Caetano vaiado no Festival Internacional da Canção, ano de “Divino Maravilhoso” na TV Tupi, ano do decreto AI-5 a acabar com a festa. Entre 27 de Dezembro de 68 e Fevereiro de 69 Gil e Caetano presos. “Aquele Abraço” faz a despedida num álbum imaculadamente gravado à pressa, branco como os Beatles, bleque como Jorge Ben, para sempre no Top5 de Gil. Depois veio o exílio. Mas espíritos destes nem com o fim do mundo vão abaixo. Ié.

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Elis Regina “Elis Como E Porquê / In London” (1969)
Edição: él

Quem não teve relação fácil com Tom Jobim apanhou o segundo pelotão da bossa. No caso de Elis o carro vassoura chamou-se “Fino da Bossa” e, paradoxalmente, tornou-a muito mais famosa no Brasil do que António Brasileiro. As pazes seriam feitas, como todos sabem, em 1974 com “Elis & Tom”, mas um ano antes deste “Como e Porquê” já no LP “Especial” surgia um “Tributo a Tom Jobim” que reaproximava a cantora de um repertório de que se estranhou por maus azeites. Agora, pela mão de Roberto Menescal (olha “Você”, olha o “Barquinho”), este álbum foi a bossa possível para o seu tempo e até parece um disco de Nara Leão. “In London” parece um de Astrud Gilberto.

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Edu Lobo “Sérgio Mendes Presents… Lobo (1970)”
Edição:Rev-Ola

Foi com este álbum que Edu Lobo se estreou em nome próprio nos Estados Unidos. Dizemo-lo assim porque desde que, um ano antes, a convite de Sérgio Mendes se tinha mudado para a Califórnia, havia já gravado o fabuloso “From the hot afternoon”, com Paul Desmond, cantando temas seus e de Milton Nascimento em duetos com a sua esposa Vanda Sá. Agora, novamente com Mendes à frente da produção - ainda a gozar o sucesso do seu grupo Brasil ’66 – e com contribuições de Airto Moreira, Herb Alpert, Oscar Castro Neves ou Hermeto Pascoal, ensaiava aqui uma aproximação ao “som A&M” sem que se perdesse a originalidade das suas composições. No fundo, para apresentação no exterior, Lobo não seria das hipóteses mais óbvias: o seu estilo muito pessoal, baseado na bossa-nova mas já nesta altura igualmente marcado pelo tropicalismo, pela (re)descoberta da música afro-brasileira e pela canção política nascida da actividade nos Centros Populares de Cultura, não encaixava em nenhuma das leituras com que os músicos brasileiros eram então apresentados nos EUA. Para trás, cinco álbuns repletos de originais, em parcerias com Vinicius de Moraes, Maria Bethânia, Ruy Guerra ou Torquato Neto, prémios em festivais e – principalmente – cantoras como Bethânia, Sylvia Telles ou Elis adaptando temas de sua autoria como “Upa Neguinho”, “Arrastão” ou “Candeias”. Mas nada se assemelha bem a este “Sérgio Mendes Presents… Lobo”, talvez pelos arranjos de cordas, pelos duetos vocais em inglês, pela versão dos “Hey Jude”, dos Beatles… um disco simultaneamente terno e violento, sofisticado e cru, quase surreal, num ponto a que Edu Lobo não voltaria. Nem mesmo com “Cantiga de Longe”, o óptimo álbum que gravaria no mesmo ano em Los Angeles com Hermeto e Airto. Era na MPB – entre o álbum a meias com Tom Jobim e o “O grande circo místico”, com Chico Buarque - que viria deixar a sua marca.

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Caetano Veloso “Araçá Azul (1972)”
Edição:Lilith

“Araçá Azul” ficou assim por uma razão: porque foi um disco que eu fiz sem pensar, sem parar pra pensar. Entrei no estúdio e em poucos dias eu disse assim: eu vou fazer a parte musical, vou inventar. Então pintou aquilo: muito clima de Santo Amaro, muito clima da minha infância. O nome do disco vem de um sonho que eu tive. Tenho o maior orgulho de ter feito um disco como “Araçá Azul”. Acho maravilhosa uma faixa como “De Conversa”, uma peça que não tem propriamente música nem letra. No final tem uma citação de “Cravo e Canela”, que era uma homenagem a Milton Nascimento. Tem “Tu Me Acostumbrastes”, bacana, cantada em falsete. O problema é que o público comprava e devolvia o “Araçá Azul”. Foi o maior recorde de devolução de discos da MPB. Nessa época já estavam comprando “Caetano e Chico” em caminhão.
Caetano Veloso

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Caetano Veloso “Caetano Veloso (1971)”
Edição:Lilith

Na contracapa: “É uma loucura escrever letra de música na língua dos outros. A gente nunca sabe se está dizendo o que está dizendo. Mas acontece que, além de irresponsável, eu sou muito curioso. De modo que não me é difícil escrever essas letras de música em inglês: o que me enlouquece é a curiosidade de saber o que é que elas dizem.” Esse álbum é deprimidérrimo. É o primeiro do exílio em Londres. Eu estou horrível na foto da capa. Tinha até barba e eu não suporto barba. Nunca consegui gostar de “London, London”. Gosto só de um verso: "green grass, blues eyes, gray ski, God bless." A canção “Maria Bethânia” tem um refrão legal, quando digo “Beta, Beta...”. Mas não tenho facilidade de me aproximar deste disco. Agora é histórico. É o primeiro disco em que toco violão. Os ingleses me liberaram para o violão. Se eu não tivesse sido preso e exilado, talvez nunca tocasse violão num disco.
Caetano Veloso

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Caetano Veloso “Caetano Veloso (1969)”
Edição:Lilith

Este gravei só com Gilberto Gil ao violão, quando estava confinado, sem poder sair de Salvador. Até ir para o exílio em Londres era impensável eu tocar violão num LP. Todo mundo achava meu violão abaixo do nível profissional. É um disco da minha situação na prisão. Tem “Irene”, que fiz na cadeia, sem violão, uma coisa portuguesa, que adoro. Gosto muito de sermos portugueses. Tem “Os Argonautas”, que me foi sugerida por Bethânia. Tem “Carolina”, que é muito deprimida e tinha a ver com o disco. Gravamos eu e Gil lá em casa, num gravador de quatro canais. Tem “Atrás do Trio Elétrico”, que é histórica. É o momento inaugural de toda a fase nova da música baiana. Tenho orgulho. Desencadeou o incremento dos trios elétricos. A complementação dela veio com o Gil, na música “Filhos de Gandhi”. Resultou em tudo isso, na música da Bahia.
Caetano Veloso

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Caetano Veloso “Caetano Veloso (1967)”
Edição:Lilith

Esse é histórico. É o primeiro LP tropicalista. Tem muitas ideias, muitas sugestões. O início da faixa “Onde Andarás” parece Chet Baker. Depois imito o Orlando Silva e o Nelson Gonçalves. Depois há “Clarice”: o nome é bonito, o refrão é bonito, mas eu mesmo não sei mais cantar “Clarice”. E a capa desse tamanhinho ficou muito mais bonita. Eu estava alegríssimo, compondo desbragadamente, sem sonhar com exportação. Na contracapa: “Quem ousaria dedicar este disco a João Gilberto? Os automóveis parecem voar, os automóveis parecem voar por cima dos telhados azuis de Lisboa, dos teus olhos, dos mais incríveis umbigos de todas as mulheres em transe, dos teus cabelos cortados mais curtos que os meus, meu amor, porque eu não quero, porque eu não devo explicar absolutamente nada”.
Caetano Veloso

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Baden Powell & Vinicius de Moraes “Os Afro-Sambas (1966) / Baden Powell – À Vontade (1963)”
Edição:
él

“À Vontade” revelou-o. De “Garota de Ipanema” à materialização do seu autor enquanto novo parceiro de Vinicius (“Berimbau”, “Consolação”, “Astronauta”), tornou-se num dos emblemáticos álbuns da Elenco. E ao violão, Powell estava a milhas do que haviam feito Laurindo Almeida ou Luiz Bonfá. Em ’66 até “Un Homme et une Femme” precisavam de um fundo de bossa nas suas vidas (“Samba da Bênção”), mas mais importante mesmo foi a letra de Vinicius “Eu, por exemplo, o capitão do mato, Vinicius de Moraes, poeta e ex-diplomata, o branco mais preto do Brasil na linha direta de Xangô, saravá!” a abrir caminho para uma nova solução dentro da bossa, mais negra, mais bahiana… apesar da suspirada réplica de Betty Faria no “Canto de Ossanha”. Baden Powell, antes de morrer, chamou-lhe música do diabo. Credo. Para Vinicius haveria ainda novo fôlego em novo parceiro, Toquinho.

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Astrud Gilberto “September 17, 1969”
Edição:
Rev-Ola

Era das vocalistas mais conhecidas do mundo graças ao “Getz/Gilberto”, que o seu marido João havia gravado com o saxofonista de jazz em 1963. E um contrato com a Verve (que terminou com este álbum) trataria de a levar – em 9 álbuns – ao mundo inteiro. Mas nada esteve próximo de “September, 17 1969”, com a sua escolha de repertório e orquestrações pop (Astrud canta Bee Gees, Beatles, Doors ou Harry Nilsson). A partir daqui a sua estrela brilharia com menos intensidade.

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Astrud Gilberto & Walter Wanderley “A Certain Smile, A Certain Sadness”
Edição:
Rev-Ola

Milhões e milhões de pessoas pelo mundo fora cantarolaram já “A garota de Ipanema” acompanhando Astrud na sua gravação do tema para “Getz/Gilberto”, o histórico álbum de jazz-bossa lançado pela Verve em 1964. A febre em torno da bossa nova estava no pico, e era natural que, em 1966, Creed Taylor, da editora norte-americana, quisesse num disco juntar os seus dois bens mais preciosos: a voz de Astrud e o trio do organista Walter Wanderley, então com a sua versão de “Samba de Verão”, de Marcos Valle e seu irmão Paulo, a rodar quatro vezes por hora nas rádios. Wanderley – a gravar desde o final dos anos 50 – estava para o samba como Jimmy Smith estava para o jazz, e enquanto instrumentista foi indispensável para momentos importantes do jazz e bossa nova (estreando nos seus populares discos temas de João Gilberto, João Donato ou Jobim). Agora, tal como a nata da música brasileira, estava nos EUA (foi Tony Bennett que, após ter assistido a um concerto seu no Brasil, convenceu a Verve a pagar-lhe imediatamente um bilhete de avião para Los Angeles). “A certain smile, a certain sadness” tem outro factor a ter em conta: o trio de Wanderley – com Claudio Slon na bateria e Jose Marino no baixo – é aumentado de forma a incluir a vigilante guitarra de João Gilberto, então casado com a vocalista. Típico da produção de Astrud durante os anos 60, tem provavelmente o seu ponto mais alto na versão de “Summer Samba”, e, na sua simplicidade, assenta que nem uma luva depois de “Look for the rainbow”, o fabuloso álbum de ’65 com arranjos de Gil Evans.

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


Arthur Verocai “Encore” (2007)
Edição:
Far Out

Arthur Verocai is a genius’, Quantic
’I could listen to his (’72) album everyday for the rest of my life’, Madlib


Em 1972 Arthur Verocai editou um dos mais belos e dramaticamente complexos álbuns da história da MPB; quando ganhou reedição fora do Brasil (há uns anos, pela Ubiquity) foi tratado como uma obra-prima perdida; há ecos dessa aceitação aqui. “Encore“ é, de certa forma – e 35 anos mais tarde! –, a continuação do espírito desse álbum. Há uns anos, quando preparava um regresso, teve um terrível e quase fatal acidente de viação. Ficou incapaz de trabalhar e acabou por produzir uma demo (“Saudade Demais”) para tentar angariar propostas de concertos. Mas o próprio vê «Encore» como o seu genuíno segundo álbum. Tem como principais convidados os Azymuth e Ivan Lins. São 11 temas de contornos cinematográficos, belissimamente compostos, com ecos das principais tendências na música brasileira, mas fruto de alguém que sempre reclamou como influência bandas norte-americanas como os Chicago, os Mothers of Invention ou os Blood Sweat and Tears e músicos de jazz como Stan Kenton, Herbie Hancock ou Bill Evans.

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António Carlos Jobim “Wave” (1967)
Edição:
Lilith

Uma das obras-primas instrumentais da bossa-nova tardia, com Tom, quase em missão paisagista (a capa de Pete Turner ajuda), a estrear-se na CTI de Creed Taylor pouco depois de deixar gravada a sua mais do que sonhada, mas mesmo só nos melhores sonhos, parceria com Francis Albert Sinatra. Dez temas novos – com futuros standards como “Wave”, “Triste”, “Lamento” – com mão pesada de Claus Ogerman nos arranjos e leve de Rudy Van Gelder na gravação. E outra bem cheia de músicos plenos de sabedoria, com destaque para Urbie Green no trombone, Ron Carter no contrabaixo e Dom Um Romão na percussão.

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António Carlos Jobim “Sinfonia do Rio de Janeiro” (1954)
Edição: él

Pela primeira vez em CD, a estreia de Tom Jobim em nome próprio, em gravações de 1954! Inclui o primeiro single de impacto, “Tereza da Praia”, cantado por Lúcio Alves e Dick Farney, e a histórica suite “Sinfonia do Rio de Janeiro”, em que participam ainda Elizete Cardoso, Doris Monteiro, Nora Ney, Emilinha Borba e Os Cariocas! Como bónus, dois dos seus primeiros sucessos - “Solidão” e “Outra Vez” – nas vozes dos seus cantores originais, Nora Ney e Dick Farney.

Apresentação:
No Rio de Janeiro de início dos anos 50, como tantos outros grandes compositores e intérpretes, também Tom Jobim precisava de fazer pela vida nos bares do Beco das Garrafas. Num regime de boleros, tangos, foxes, standards e sambas, ele e os outros pianistas de serviço mais ousados tentavam aqui e ali encaixar uma peça original, mas o mais provável era terminarem a noite na fossa, levando com garrafas (daí o nome do Beco) atiradas pelos moradores, fartos do barulho e da boémia. Não era vida para ninguém, e, durante o dia, Tom insistia em mostrar o seu livrinho de arranjos às diferentes editoras da cidade. Após um estágio na pequena Euterpe, consegue entrar na Continental.

Apadrinhado pelo grande maestro Radamés Gnatalli, começa a trabalhar passando para as pautas velhos sambas e escrevendo as partes para cordas e sopros das novas canções de estrelas da altura como Dalva de Oliveira, Orlando Silva, Elizete Cardoso ou Dick Farney. Os resultados são brilhantes. Motivado, começa a compor mais. De uma parceria com Billy Blanco nasce “Tereza da Praia”, imediatamente adoptada por Farney e Lúcio Alves como o veículo ideal para, em dueto, desfazerem o equívoco de que não se davam bem. Foi um enorme sucesso.

Jobim ganhava o respeito de todos na editora, e mal a Continental se lançou no fabrico de discos de 10 polegadas decidiu-se por algo inédito: uma sinfonia de música popular, inspirada pelo mar, pelas ondas, pelas montanhas, pela cidade, seus bairros e quotidiano, em que participaria a nata dos cantores da rádio e da canção. Assim nasceu a “Sinfonia do Rio de Janeiro”, editada em 1954 e até hoje, na Europa, inédita em CD.

É natural vê-la como um esboço para o que viria a seguir na vida do maior compositor brasileiro de sempre, e muitos reconhecem na sua temática um antepassado claro para o que daí a quatro anos todos se prestavam para apelidar de Bossa Nova, mas, para nós, ela surge também como a suprema síntese entre as principais tendências da música popular no Brasil e a forma como compositores – com Villa-Lobos à cabeça, claro – a tentavam na sua produção espelhar. Enfim, os ângulos são infinitos – o tempo encarregou-se de o justificar. Musicalmente, ainda que nunca desenvolvida nesse sentido, terá tanto em comum com o “West Side Story”, de Bernstein, editado três anos mais tarde, quanto com o que o mesmo Jobim viria logo a seguir a fazer com Dolores Duran ou Vinicius de Moraes (no “Orfeu da Conceição”, mais tarde adaptado ao cinema como “Orfeu Negro”).

Claro que quando João Gilberto regressou ao Rio – com “Bim-Bom” e “Oba-la-lá” na algibeira –, e com Jobim já empregado como Director Artístico da Odeon, a canção iria ter outra batida, e, após o lançamento de “Canção do Amor Demais”, de Elizete Cardoso, e da estreia de João com “Chega de Saudade” – e consequente adopção pelo mundo inteiro do seu estilo – até mesmo Jobim passou sempre a ser visto à luz da Bossa Nova. Nem podia aliás ser de outra maneira, com contribuições como “Desafinado”, “A Felicidade”, “Eu sei que vou te amar”, “Meditação”, “Samba de uma nota só”, “Corcovado”, “Insensatez” ou, entre tantas outras, “Garota de Ipanema” a sustentarem a sua espinha dorsal. Depois aconteceram os EUA e o resto é história.

Mas para o que aqui e agora interessa, que fique claro que se ignorarmos esta “Sinfonia do Rio de Janeiro”, nunca iremos ter o retrato completo de Tom. Este disco é histórico e fundamental para todos os amantes de música, seja ela de onde for… de quando for. E, claramente ressalvando a excelência de tudo aquilo em que a Banda Nova tocou, é, naquilo que ao mercado dirá respeito, o seu verdadeiro “Inédito”. E muito mais do que um prólogo.

Bossa Nova 50 Anos - Tropicalismo 40 Anos


António Carlos Jobim “Orfeu da Conceição” (1956)
Edição:
él

Pela primeira vez em CD na Europa, o integral de “Orfeu da Conceição”, a banda-sonora composta por Tom Jobim e Vinicius de Moraes – e cantada por Roberto Paiva, com Luiz Bonfá no violão e Jobim ao piano. Mais tarde adaptado ao cinema em “Orfeu Negro”, e aí com contribuições de Bonfá – nomeadamente na imortal “Manhã de Carnaval” – este foi um dos primeiros ensaios de Jobim nos terrenos do samba-canção antes do mergulho na Bossa Nova. A acompanhá-lo – em nada mais nada menos do que 20 temas! – uma série de antigos singles de meados dos anos 50 divididos entre o mestre e o virtuoso guitarrista Luiz Bonfá, muitos deles inéditas em CD, em diversos conjuntos e com cantores convidados como Dolores Duran, Doris Monteiro, Dick Farney, Sylvia Telles, Dora Torres, Nora Ney ou Dalva de Oliveira. Como instrumentistas, estão aqui as mais antigas gravações conhecidas de João Donato e Ed Lincoln. Sylvia Telles também estava a dar os primeiros passos: “Foi a Noite” era apenas o seu 3º compacto editado! Além de que surgem as primeiras versões para futuros clássicos de Jobim com o seu grande e esquecido parceiro Newton Mendonça. Como bónus, um tema de Bonfá de 1948, com o influente grupo vocal Quintandinha Serenaders. No total, 27 temas históricos que documentam um fértil período para a canção brasileira e para a música mundial. Pouco depois apareceria João Gilberto: aqui está ele, muito depois, com Bonfá e Jobim num vídeo de promoção ao filme Copacabana, de 1962.