terça-feira, 15 de julho de 2014

Ricardo Rocha "Resplandecente: Quartetos e Solos para Guitarra Portuguesa" (Mbari, 2014, texto de apresentação)



O Impressionismo e o Minimalismo, em termos estéticos e técnicos gerais, foram, de certa forma, os pilares e o ponto de partida óbvios para a criação deste quarteto. Mas a verdade é que na base concreta de tão megalómana empreitada esteve a imprevista escrita de duas peças solistas – “La Rêverie et les Couleurs” e “Fim da Eternidade” – em que se impuseram, quase inadvertidamente, características essenciais desses estilos. Conciliá-los expressivamente – ainda que trabalhando-os em separado – possibilitou-me descobrir-lhes traços comuns e alimentar a ideia, primeiro, de que talvez fosse possível convertê-los, com tudo o que os distingue, para um mesmo campo empírico, e, segundo, que a enfática solução para essa monumental convergência de textura, densidade e cor, passaria por uma questão de escala. O que me permitiu, paralelamente, refletir acerca da minha mais antiga preocupação artística: a radical transformação do cânone associado à guitarra portuguesa, dedicando-lhe uma volatilidade que, em rigor, jamais possuiu. Subverter um cânone socorrendo-me de outro – o do quarteto – provou-se simplesmente irresistível.

Não quis, todavia, e através da sua mais idiossincrática personalidade, deixar de sublinhar a importância do Romantismo tardio nestas conceções. Dois pequenos prelúdios de Skrjabin ilustram-no perfeitamente, embora, até hoje, nunca tenha achado por bem adaptar ou transcrever para a guitarra obras compostas para diferentes instrumentos. Mas acontece que estas aforísticas miniaturas, publicadas em 1895 e 1903, podem ser interpretadas na guitarra portuguesa no seu tom original – dei por isso tocando-as ao piano, curiosamente, e senti-me convidado por Skrjabin a abordá-las, como se ele as tivesse especialmente consagrado à minha guitarra. Foi um ato de comunhão com um compositor de presença constante na minha vida e nos meus discos, desde os meus 19 anos.

Não será muito difícil de perceber que o destino natural de tão ambicioso projeto em pauta era a gaveta. Quiçá daqui a outros 70 anos tenhamos disseminadas a proficiência e indiscrição necessárias para que uma assembleia de quatro guitarras portuguesas venha sugerir o inesperado, ou, ao menos, apresentar repertório próprio. Mas duvido. Por isso, porque, contra todas as previsões, de facto isto se materializou, resta-me lembrar a titular figura da heteronímia e dizer, como Fernando Pessoa, que “quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo”, agradecendo a disponibilidade aos guitarristas Ian Richardson, Pierre Ricard e Wolff Richard von Gerhard e o prazer que me proporcionaram ao cumprir este grandioso, histórico e épico momento musical. Sabem que estes sons são apenas a fantasia de representar simbolicamente o inexprimível – sonhos, cores, imagens, sensações –, e que é da fusão dessa fantasia com a delirante e psicodramática realidade do indivíduo que nasce a música. Sem vocês nada disto seria possível!

Ricardo Rocha

terça-feira, 1 de julho de 2014

Akira Sakata & Giovanni Di Domenico "Iruman" review @ Jazz Word

Ken Waxman writes: "With a background that includes memories of Third World melodies as well as education in Jazz and European classical music, it takes a little while for Di Domenico’s moderato tinkling and low-frequency runs to toughen here. Meantime Sakata, who has been a major force in Japanese Free Music since the late 1960s and recently has worked with everyone from drummer Chris Corsano to bassist Bill Laswell, moves among harsh alto saxophone bites, contralto clarinet smears, implement shaking and an Orientialized variant of throat-singing. This vocalizing and bell-shaking, which mixes vocalese with off-key groaning and crying is featured most on “Papiruma/Papiruma”; while Di Domenico’s sparkling glissandi make a perfect foil for Sakata’s surprisingly mellow sax lines on “Sukiyazukuri No Tatazumai/The Peaceful Atmosphere of a Wood Sukiya-style Temple”. Having gained in assurance as well, it seems, Di Domenico exposes galloping key clanks that effectively counter Sakata’s split tones and sound shards by the time “Moe I/Bud I” comes around.