Foi preciso esperar
até 2009 para se identificar mais objectivamente a crioulização em B Fachada: primeiro no reggae ‘Kit de Prestidigitação’, com que
fechava o seu álbum homónimo, e, determinantemente, no akizombado ‘Monogamia’, a sua contribuição para a compilação “Novos
Talentos”, da Fnac. Depois, no Verão de 2010, surgia em “Há Festa na Moradia”
um ‘Joana Transmontana’ a equilibrar toada ultramontana com uma batida relaxada
extraída ao semba. Mas, mais do que
numa justaposição elementar, todo esse EP reflectia uma certa noção de amálgama
miscigenada no âmago do seu material, para não falar já, em termos mais gerais,
no seu método.
“B Fachada é Pra
Meninos”, o CD de 2010, embora num escopo muito específico, abria com um
‘Tó-Zé’ a evocar padrões rítmicos afrobrasileiros e confirmava a predisposição espiritualmente
tropicalista na abordagem de tradições alóctones que, no Verão do mesmo ano,
“Deus, Pátria e Família” confirmou em pleno, com a sua cadência caribenha
temperada por sintetizadores sacados ao livro de estilo de bandas congolesas. A
leitura parecerá apócrifa, certamente. E muitos mais casos na sua extensa
discografia apontam em direcção contrária. Mas servirá para transmitir esta
ideia de que – em pensamento – havia já na produção de B Fachada um ideário
crioulo antes de um álbum chamado “Criôlo”.
Esse – do inventivo
balanço de ‘Afro-Xula’ (que, em tese, pega numa síncope angolana para marcar
uma toada da chula, a dança do Alto Douro que marcou a música nordestina
brasileira, a que, por isso mesmo, se contrapõe um acordeão a evocar forró) ao
dub de ‘Quem Quer Fumar com o B Fachada’ (que saúda um Lee Perry que, basta
ouvir ‘I Am the Upsetter’, não era estranho ao malhão) – torna agora explícito
um certo interesse por aquilo que, para descrever influências latino-americanas
no flamenco, por exemplo, os espanhóis chamam de canções de “ida y vuelta”. Mas, numa triangulação entre
Portugal, Brasil e África Lusófona, não interessando a ordem de partida, “Criôlo”
não deixa de ser também um disco sobre essas relações e a ausência dessas
relações ao longo dos anos. Utilizando quase exclusivamente sons fora de moda,
ou pelo menos dessintonizados com o presente, o disco especula sobre uma
crónica dificuldade na generalidade da música popular portuguesa em assimilar
organicamente e generosamente, que não em regime de anedotário ou mimese, a
música do atlântico sul (mesmo se de semelhante processo floresceu toda a mais
significativa produção do século passado: tango, fado, samba, blues, rumba,
jazz, r&b, afrobeat, etc).
Simulando arranjos
que em tempos serviram a mais genérica música de massas, Fachada sugere ainda a
possibilidade da música popular não ter de depender exclusivamente da
sobrevalorizada expressão de autor (num país onde por vezes parecem só haver casos
e não movimentos). Mas, embora paradoxal, é também sintomático que o sublinhar dessas
diferenças entre o popular e o tradicional, o individual e o colectivo, o rural
e o urbano, etc, reafirme a sua própria assinatura individual. A um CD de
terminar o plano de edições em vigor desde 2009, com referências ao 25 de Abril
ou às possibilidades sinecuristas no exercício do poder misturadas com vinhetas
do quotidiano, não sabemos se faz pensar, mas dançar, sim, com certeza.