sexta-feira, 26 de outubro de 2012

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Norberto Lobo "Mel Azul" (MBARI 16)



“Mel Azul”, depois de “Pata Lenta” (2009) e “Fala Mansa” (2011), é o terceiro álbum do Norberto para a Mbari. E, desconhecendo o futuro (acção que neste tempo de tantos augúrios, de tão rara, parece ter-se elevado a arte), foi apenas com a sua chegada que despontou uma ideia de trilogia jamais planeada (embora, à cautela, aqui devêssemos utilizar a palavra tríptico). Porque de facto, numa impressão reforçada por uma certa coerência gráfica e visual no objecto (crucialmente, mas não só, através da reprodução nas suas capas de quadros do pintor Michael Biberstein), não trai uma organização muito lógica esta aparentemente clássica disposição – embora, reforçamos, de todo premeditada – que parte a princípio da solitária guitarra acústica, dela um pouco se distancia (com a chegada de voz, tambura, piano e demais teclados em overdub no CD do ano passado) e em última instância a ela torna (apesar de no tema titular vir acompanhada por Sei Miguel).

Claro que aos olhos de quem, do Norberto, conhece apenas estes discos e está atento a um discreto discurso que nunca sugeriu uma precedência do compositor face ao intérprete, se revelará absurda uma introdução formal nestes termos: afinal, não nasce tudo da guitarra? A resposta a esta questão – ou a impossibilidade de o fazer em termos absolutos – comprova também a singularidade de um percurso que se revela, normalmente em palco e fruto de frequentes colaborações, muito mais abrangente do que à primeira vista parece. Pois nessas apresentações se diluem fronteiras e hierarquias – entre géneros, egos, instrumentos e ideologias – e se reforça a impressão de que, senão em duas frentes, a música do Norberto se faz, pelo menos, em duas velocidades: uma, mais imediata, reactiva e instável, manifesta-se habitualmente ao vivo, em duos e variadíssimas formações (com bateristas, saxofonistas, pianistas, etc); outra, mais durável, reflectida e constante, regista-se, por exemplo, neste trio de discos.

Não havendo uma prevalência de um modelo sobre outro (mais depressa se falará na velha ideia de dualidade expressa pela gasta expressão dos “dois lados da mesma moeda”), será importante ter consciência da correlação de forças entre si, e, naturalmente, de que nem isso terá grande permanência numa compreensão mais vasta desta produção. Da mesma maneira, será inevitável falar do passado (e daquelas sessões com Devendra Banhart, Naná Vasconcelos ou Larkin Grimm) e, no máximo, supor que a partir de anteriores experiências algo agora se projectou. Porque parte das canções que o Norberto reúne em “Mel Azul” nasce dessa combinação de efeitos de acumulação e magnetismo. De uma incessante prática e de uma forma concentrada de constituir num organismo vivo os materiais melódicos, harmónicos ou técnicos previamente ensaiados, mas também as pessoas e os lugares. Nessa perspectiva, este novo álbum, ficamos com essa impressão, afigura-se como a mais elementar tradução de um tempo e um espaço específicos realizada pelo Norberto desde a sua estreia com “Mudar de Bina” (2007).

“Mel Azul”, como o que lhe antecedeu, tem tanto de culto quanto de oculto. Após um “Fala Mansa” em que esteve só, Norberto regressa a interpretações (de dois temas do seu irmão, Manuel, que todos conhecem de meia dúzia de filmes, certamente do “Tabu”, e de que só alguns terão ouvido a obra enquanto Garcia da Selva ou REC brutus, um dueto com Marco Franco) e colaborações (desta feita com Sei Miguel, com quem partilha maturados interesses). Traz, por isso, música sobre música, sobre gente e sítios. E, mais uma vez, aprofunda um fraseado independente de constrangimentos formais que, só por prazer, assume momentâneas estruturas canónicas. Numa arquitectura progressivamente mais leve, com um sentido de tempo que nem se dá por ele, tecendo uma malha transparente em que se inscreve o silêncio, o humor e hipnóticos padrões que jamais soam forçados, esta música insólita parece-nos próxima por tão familiar nos ser já o seu criador. Mas é muito feita de inquietações só suas. E avança por caminhos que, sem ela, dificilmente estaríamos a trilhar. É que, ao contrário do que é comummente promulgado, nada disto alguma vez aconteceu e dificilmente tornará a acontecer.


Norberto Lobo, guitarra
Sei Miguel, pocket trumpet em “Mel Azul (Moebius)”

Canções por Norberto Lobo excepto “Enzo Fought Back” (Manuel Lobo) e “Lisboa Ginásio” (Manuel Lobo & Norberto Lobo)
Gravado, misturado e masterizado no Golden Pony Studio (Lisboa) por Eduardo Vinhas e Pedro Magalhães
Design por Mackintóxico  Capa por Michael Biberstein, “Target”, 2011

Enzo Fought Back
Lúcia Lima
Vudu Xaile
Valsa da Greve Geral
Rustenburger Str
A Cor do Demo
Rua da Palma Blues
Golden Pony Blues
Lisboa Ginásio
Maga Raga
Mel Azul (Moebius)

sexta-feira, 5 de outubro de 2012