Data de Lançamento: 14 de Março
"Carmen Souza sings in
her native creole dialect with an intimacy, sensuality, and vivacity,
characterised by a tremendous lightness of touch. Her music has a
deceptive simplicity, a rare clarity, derived from a unique mix of
influences from her Cape
Verdean background to
jazz and modern soul creating this beautifully vibrant, largely acoustic,
accessible hybrid. World
soul music for the 21st century" David Sylvian
Aos poucos – e de forma determinante
desde que reside em Londres – Carmen Souza tem-se afirmado globalmente como um
dos mais intransigentes, inquietantes e vibrantes símbolos da lusofonia. E no
sentido em que a entidade cultural lusófona é intrinsecamente mutante e em
constante expansão, mas eminentemente inclusiva, é apenas natural que assim
seja. Porque se a ação desta lisboeta (nascida em 1981) parte de um signo
matricial enraizado na tradição das ilhas de Cabo Verde (a origem da sua
família), é pelas encruzilhadas próprias da diáspora que vai construindo um
eclético programa artístico que se afigura único no panorama internacional.
O tratamento essencialmente plástico
que confere aos materiais à sua disposição – e o carácter quase expressionista
da sua voz assume-se, nesse particular, tanto um ponto de partida quanto de
chegada – sublinha simultaneamente as afinidades estéticas transatlânticas e o
inédito ponto de sincretismo a que chegou. Música afro-cubana, jazz, morna e um
conjunto de referências nascidas já de décadas de fusões rítmicas são
deglutidas, distendidas e infinitamente recicladas no desenvolvimento de um
extático perfil autoral para o qual, ao longo da última década, tem contribuído
decisivamente o compositor e contrabaixista Theo Pas’Cal.
Este “Kachupada”, após quatro álbuns em conjunto –
“Ess ê nha Cabo Verde” (2005), “Verdade” (2008) e “Protegid” (2010), em
estúdio, e “London Acoustic Set”, num dueto ao vivo (2011) – gravados em pontos
distintos do globo, e envolvendo dezenas de instrumentistas, e depois de
apresentações pelo mundo fora (Portugal, Cabo Verde, Reino Unido, Turquia,
Brasil, Alemanha, Holanda, Irlanda, Finlândia, Letónia, Itália, Canadá e EUA),
marca o seu regresso numa luminosa, orgulhosa, irredutível e indissolúvel
demonstração de como a radicalidade da sua proposta jamais tolda uma íntima
beleza e uma exuberante comunicabilidade. E, fundamentalmente, de como se
renova e reinventa a cada ensaio.
O gesto de Carmen Souza, Theo Pas’Cal e convidados é o
de depurar e recompor os temas a partir da sua dimensão formal mais
indispensável, colocando em evidência as suas qualidades basilares, para logo
sugerir vastas possibilidades expositivas. E depois há, claro, a evocação de
uma série de referências – costumam-se apontar os nomes de Nina Simone, Ella
Fitzgerald, Maria João, Billie Holiday, Joe Zawinul, Édith Piaf, Return to
Forever, Horace Silver (histórico pianista de jazz norte-americano descendente
de cabo-verdianos) ou, claro, Cesária Évora – que servem também para melhor se
avaliar a originalidade do que aqui se ouve.
Gravado entre Lisboa e Londres, “Kachupada” anuncia
logo ao que vem, usando, no título, uma das mais generosas, convidativas e
apetitosas metáforas para descodificar conteúdos musicais que combinem as mais
variadas tipologias: a da gastronomia, referindo o prato da culinária
cabo-verdiana de ingredientes, haja imaginação e talento, inesgotáveis (carnes,
peixes, milho, verduras, feijão, batata, banana, mandioca, cebola, alho,
chouriços, toucinho, enfim, um maná de sabores, cores e calorias)! É uma tradução
de invejável propriedade acerca do que se passa no disco. Numa
enérgica e concentrada demonstração de mais-valia criativa, memórias de presos
políticos aliam-se ao emancipatório gesto do jazz, percorre-se a riqueza
rítmica das ilhas, e canta-se a exaltação da vida, da juventude, da família. E,
como à mesa, há sempre lugar para mais um!