terça-feira, 5 de março de 2013

Carmen Souza "Kachupada"



 Data de Lançamento: 14 de Março
"Carmen Souza sings in her native creole dialect with an intimacy, sensuality, and vivacity, characterised by a tremendous lightness of touch. Her music has a deceptive simplicity, a rare clarity, derived from a unique mix of influences from her Cape Verdean background to jazz and modern soul creating this beautifully vibrant, largely acoustic, accessible hybrid. World soul music for the 21st century" David Sylvian
Aos poucos – e de forma determinante desde que reside em Londres – Carmen Souza tem-se afirmado globalmente como um dos mais intransigentes, inquietantes e vibrantes símbolos da lusofonia. E no sentido em que a entidade cultural lusófona é intrinsecamente mutante e em constante expansão, mas eminentemente inclusiva, é apenas natural que assim seja. Porque se a ação desta lisboeta (nascida em 1981) parte de um signo matricial enraizado na tradição das ilhas de Cabo Verde (a origem da sua família), é pelas encruzilhadas próprias da diáspora que vai construindo um eclético programa artístico que se afigura único no panorama internacional.
O tratamento essencialmente plástico que confere aos materiais à sua disposição – e o carácter quase expressionista da sua voz assume-se, nesse particular, tanto um ponto de partida quanto de chegada – sublinha simultaneamente as afinidades estéticas transatlânticas e o inédito ponto de sincretismo a que chegou. Música afro-cubana, jazz, morna e um conjunto de referências nascidas já de décadas de fusões rítmicas são deglutidas, distendidas e infinitamente recicladas no desenvolvimento de um extático perfil autoral para o qual, ao longo da última década, tem contribuído decisivamente o compositor e contrabaixista Theo Pas’Cal.
Este “Kachupada”, após quatro álbuns em conjunto – “Ess ê nha Cabo Verde” (2005), “Verdade” (2008) e “Protegid” (2010), em estúdio, e “London Acoustic Set”, num dueto ao vivo (2011) – gravados em pontos distintos do globo, e envolvendo dezenas de instrumentistas, e depois de apresentações pelo mundo fora (Portugal, Cabo Verde, Reino Unido, Turquia, Brasil, Alemanha, Holanda, Irlanda, Finlândia, Letónia, Itália, Canadá e EUA), marca o seu regresso numa luminosa, orgulhosa, irredutível e indissolúvel demonstração de como a radicalidade da sua proposta jamais tolda uma íntima beleza e uma exuberante comunicabilidade. E, fundamentalmente, de como se renova e reinventa a cada ensaio.
O gesto de Carmen Souza, Theo Pas’Cal e convidados é o de depurar e recompor os temas a partir da sua dimensão formal mais indispensável, colocando em evidência as suas qualidades basilares, para logo sugerir vastas possibilidades expositivas. E depois há, claro, a evocação de uma série de referências – costumam-se apontar os nomes de Nina Simone, Ella Fitzgerald, Maria João, Billie Holiday, Joe Zawinul, Édith Piaf, Return to Forever, Horace Silver (histórico pianista de jazz norte-americano descendente de cabo-verdianos) ou, claro, Cesária Évora – que servem também para melhor se avaliar a originalidade do que aqui se ouve.
Gravado entre Lisboa e Londres, “Kachupada” anuncia logo ao que vem, usando, no título, uma das mais generosas, convidativas e apetitosas metáforas para descodificar conteúdos musicais que combinem as mais variadas tipologias: a da gastronomia, referindo o prato da culinária cabo-verdiana de ingredientes, haja imaginação e talento, inesgotáveis (carnes, peixes, milho, verduras, feijão, batata, banana, mandioca, cebola, alho, chouriços, toucinho, enfim, um maná de sabores, cores e calorias)! É uma tradução de invejável propriedade acerca do que se passa no disco. Numa enérgica e concentrada demonstração de mais-valia criativa, memórias de presos políticos aliam-se ao emancipatório gesto do jazz, percorre-se a riqueza rítmica das ilhas, e canta-se a exaltação da vida, da juventude, da família. E, como à mesa, há sempre lugar para mais um!