terça-feira, 29 de julho de 2008
David Axelrod - Seriously Deep
Havendo “drogas certas” e “drogas erradas”, é óbvio que o Miles Davis da primeira metade dos anos 70 só tomou das segundas. E, naturalmente, não será por isso que a musa lhe sorriu de forma mais tímida. Eu te saúdo Selim Sivad. Mas no momento do grande “apagão” (1975), chegou ainda luz suficiente às fundações de uma estrutura suportada por Zawinul, Corea, Hancock, Shorter, Maupin, Jarrett, Bartz, Hermeto, McLaughlin, Sharrock, para que ninguém perdesse o norte. “Survival of the Fittest” foi disso perfeito manifesto ou, entre dezenas de outros exemplos, aquilo que Bob James fazia, nos seus segundo e terceiro ensaios na CTI, sugeria também que entre o endurecimento da ala loft-NY (Rivers, Braxton, Ware, Murray, etc) e o freak-out comunitário pós-AACM (na Strata East, Black Jazz, etc), haviam os que, relutantes em caminhar rumo à luz no fundo do túnel, preferiam antes o próprio túnel. “Seriously Deep” é a festa dentro do túnel, organizada por um sobrevivente que havia antecipado Selim e que sempre esteve “Miles Away”. Mas os convidados espirituais (Gil Evans, Morricone, Sly Stone, Zappa), tinham, ainda assim, saudades de Miles.
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Elizete Cardoso - Canção do Amor Demais
“Rua Nascimento Silva 107 / Você ensinando prá Elizete as canções de Canção do Amor Demais / Lembra que tempo feliz / Ai, que saudade/ Ipanema era só felicidade/ Era como se o amor morresse em paz”. in “Carta ao Tom 74”, Vinicius de Moraes
Mergulhado em nostalgia, Vinicius escreveu em 1974 uma carta-canção recordando os ensaios para a gravação deste LP. O poeta não estaria propriamente em busca do tempo perdido, mas começava a negociar lotes com a posteridade. E hoje é óbvio qual a parte da sua produção que melhor lhe sobreviveu. Aliás, na contracapa de Canção do Amor Demais nota-se o seu esforço para legitimar a edição (a editora original, Festa, dedicava-se a LPs de poesia lida) enquanto outra coisa presumivelmente mais séria que não um “mero” conjunto de canções – é que na altura ainda ninguém adivinhava as voltas pelo mundo que “Garota de Ipanema” viria a dar; nem se haviam popularizado as rimas “boca”/“louca” ou “peixinhos”/“beijinhos” de “Chega de Saudade”; e muito menos a aparição de Vinicius gerava instantâneos “saravás”. Mas tudo mudou. E, na prática, todos os que ouviram este disco receberam a confirmação de que a História estava a dar um passo em frente. Porque este foi efectivamente o primeiro LP da bossa nova. Não um “primo afastado”, o “antepassado directo” nem a “origem” da bossa, mas sim – isso mesmo – o registo daquele instante em que pela primeira vez se revelaram concretamente todos os elementos que, no futuro, a definiriam. E não interessa agora transformá-los em “ementa turística”, escalonando ritmo, melodia, timbre, harmonia ou lírica – a bossa nova, todos o sabemos, tornou-se naquele requintadíssimo prato musical gourmet do qual não precisamos conhecer os ingredientes para adivinhar o sabor. E por “culpa” de todos menos da vocalista: Elizete foi cantora demais para se prender a um só género, por mais saboroso que fosse. Ou seja, o que aqui se tornou manifesto foi, primeiro, a “batida do violão” de João Gilberto (presente nos ensaios em casa de Tom e acompanhante em “Chega de Saudade” e “Outra Vez”) e, segundo, a concretização plena da parceria Jobim-Vinicius. O resto é contingência. Inclusivamente a edição dois meses mais tarde do 10” de João em que se actualizava já o papel do cantor num universo musical que Canção do Amor Demais manteve eternamente suspenso entre o “antes” e o “depois”. E esse compasso, pelo menos no que à música popular brasileira diz respeito, é a própria matéria sobre a qual se ergueram os sonhos dos últimos 50 anos.
PS: Notará por certo que o som deste CD se assemelha ao de um LP. E – ao contrário das remasterizações feitas a partir do vinil – nem o quisemos disfarçar. Foi nosso objectivo transformar em virtude uma limitação técnica que, assim, não só ganhará uma função imediata de “cápsula do tempo” como, na prática, permite que se ouça tudo o que realmente acontece em cada tema; de forma aberta e dinâmica, com agudos e graves e mais ou menos ruído de fundo sempre que foi necessário ir à procura de uma nota perdida na corda de uma guitarra, de uma harpa ou no teclar do piano de Tom.
Apresentação de Vinicius de Moraes na contracapa:
Mergulhado em nostalgia, Vinicius escreveu em 1974 uma carta-canção recordando os ensaios para a gravação deste LP. O poeta não estaria propriamente em busca do tempo perdido, mas começava a negociar lotes com a posteridade. E hoje é óbvio qual a parte da sua produção que melhor lhe sobreviveu. Aliás, na contracapa de Canção do Amor Demais nota-se o seu esforço para legitimar a edição (a editora original, Festa, dedicava-se a LPs de poesia lida) enquanto outra coisa presumivelmente mais séria que não um “mero” conjunto de canções – é que na altura ainda ninguém adivinhava as voltas pelo mundo que “Garota de Ipanema” viria a dar; nem se haviam popularizado as rimas “boca”/“louca” ou “peixinhos”/“beijinhos” de “Chega de Saudade”; e muito menos a aparição de Vinicius gerava instantâneos “saravás”. Mas tudo mudou. E, na prática, todos os que ouviram este disco receberam a confirmação de que a História estava a dar um passo em frente. Porque este foi efectivamente o primeiro LP da bossa nova. Não um “primo afastado”, o “antepassado directo” nem a “origem” da bossa, mas sim – isso mesmo – o registo daquele instante em que pela primeira vez se revelaram concretamente todos os elementos que, no futuro, a definiriam. E não interessa agora transformá-los em “ementa turística”, escalonando ritmo, melodia, timbre, harmonia ou lírica – a bossa nova, todos o sabemos, tornou-se naquele requintadíssimo prato musical gourmet do qual não precisamos conhecer os ingredientes para adivinhar o sabor. E por “culpa” de todos menos da vocalista: Elizete foi cantora demais para se prender a um só género, por mais saboroso que fosse. Ou seja, o que aqui se tornou manifesto foi, primeiro, a “batida do violão” de João Gilberto (presente nos ensaios em casa de Tom e acompanhante em “Chega de Saudade” e “Outra Vez”) e, segundo, a concretização plena da parceria Jobim-Vinicius. O resto é contingência. Inclusivamente a edição dois meses mais tarde do 10” de João em que se actualizava já o papel do cantor num universo musical que Canção do Amor Demais manteve eternamente suspenso entre o “antes” e o “depois”. E esse compasso, pelo menos no que à música popular brasileira diz respeito, é a própria matéria sobre a qual se ergueram os sonhos dos últimos 50 anos.
PS: Notará por certo que o som deste CD se assemelha ao de um LP. E – ao contrário das remasterizações feitas a partir do vinil – nem o quisemos disfarçar. Foi nosso objectivo transformar em virtude uma limitação técnica que, assim, não só ganhará uma função imediata de “cápsula do tempo” como, na prática, permite que se ouça tudo o que realmente acontece em cada tema; de forma aberta e dinâmica, com agudos e graves e mais ou menos ruído de fundo sempre que foi necessário ir à procura de uma nota perdida na corda de uma guitarra, de uma harpa ou no teclar do piano de Tom.
Apresentação de Vinicius de Moraes na contracapa:
“Dois anos são passados desde que Antonio Carlos Jobim (Tom, se preferirem) e eu nos associamos para fazer os sambas de minha peça "Orfeu da Conceição", de que restou um grande sucesso popular, "Se Todos Fossem Iguais a Você" e, sobretudo, uma grande amizade. É notório que parceiros se desentendem: e a história da música popular brasileira está cheia dessas brigas de comadres, provocadas geralmente por vaidades e ciumadas, por um não querer o seu nome em baixo do nome do outro, quando não por motivos mais deselegantes e mesquinhos. Mas no nosso caso, não só essa amizade como um profundo afinamento de sensibilidades para a música, que constitui, sem dúvida, nossa distração máxima, tem determinado que fazer sambas e canções seja para nós um ato extraordinariamente livre e gratuito, no sentido da fatalidade. Este LP, que se deve ao ânimo de Irineu Garcia, é a maior prova que podemos dar da sinceridade dessa amizade e dessa parceria. A partir dos sambas de "Orfeu da Conceição", raras têm sido as vêzes em que, de um encontro meu com o maestro, não resulte alguma composição nova, por isso que eu creio ser essa a verdadeira linguagem da nossa relação. Ponha-se Antonio Carlos Jobim ao piano - e é difícil encontrá-lo longe de um - e em breve, de dois ou três acordes, nascerá entre nós um olhar de entendimento; e de seus comentários cifrados ("- Isto são as pedras, poeta!"; "- Os pequenos caracois listados debaixo das folhas sêcas..."; "- As grandes migrações corais..."; "- O outro lado do riacho..."; "- Chegamos à galaxia...") eu terei sabido extrair exatamente o que êle me quer ouvir dizer em minha letra. E nunca houve entre nós quaisquer reservas no sentido de um tirar o outro de um impasse durante o trabalho. É possível mesmo que tudo isso se deva ao fato de que êle crê na poesia da música e eu creio na música da poesia. Porque a verdade é que eu gosto das letras que, eventualmente, Tom também escreve, como "As Praias Desertas"; e a prova de que êle considera as músicas que eu, vez por outra, também faço, está no carinho com que orquestrou a minha "Serenata do Adeus" e o meu "Mêdo de Amar" - todos neste LP. Nem com êste LP queremos provar nada, senão mostrar uma etapa do nosso caminho de amigos e parceiros no divertidíssimo labor de fazer sambas e canções, que são brasileiros mas sem nacionalismos exaltados, e dar alimento aos que gostam de cantar, que é coisa que ajuda a viver. A graça e originalidade dos arranjos de Antonio Carlos Jobim não constituem mais novidade, para que eu volte a falar delas aqui. Mas gostaria de chamar a atenção para a crescente simplicidade e organicidade de suas melodias e harmonias, cada vez mais libertas da tendência um quanto mórbida e abstrata que tiveram um dia. O que mostra a inteligência de sua sensibilidade, atenta aos dilemas do seu tempo, e a construtividade do seu espírito, voltado para os valores permanentes na relação humana. Não foi sòmente por amizade que Elizete Cardoso foi escolhida para cantar êste LP. É claro que, por ela interpretado, êle nos acrescenta ainda mais, pois fica sendo a obra conjunta de três grandes amigos; gente que se quer bem para valer; gente que pode, em qualquer circunstância, contar um com o outro; gente, sobretudo, se danando para estrelismos e vaidades e glórias. Mas a diversidade dos sambas e canções exigia também uma voz particularmente afinada; de timbre popular brasileiro mas podendo respirar acima do puramente popular; com um registro amplo e natural nos graves e agudos e, principalmente, uma voz experiente, com a pungência dos que amaram e sofreram, crestada pela pátina da vida. E assim foi que a Divina impôs-se como a lua para uma noite de serenata.”.
Rio, Abril de 1958, Vinicius de Moraes
Rio, Abril de 1958, Vinicius de Moraes
Alinhamento
1- Chega de Saudade (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
2- Serenata do Adeus (Vinicius de Moraes)
3- As Praias Desertas (António Carlos Jobim)
4- Caminho de Pedra (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
5- Luciana (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
6- Janelas Abertas (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
7- Eu Não Existo Sem Você (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
8- Outra Vez (António Carlos Jobim)
9- Medo de Amar (Vinicius de Moraes)
10- Estrada Branca (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
11- Vida Bela (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
12- Modinha (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
13- Canção do Amor Demais (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
Ficha Técnica 1958
Elizete Cardoso: voz
António Carlos Jobim: arranjos, direcção de orquestra e piano
João Gilberto: violão
Irany Pinto: violino e direcção de orquestra
Nicolino Cópia (Copinha): flauta
Gaúcho e Edmundo Maciel: trombones
Herbert: trompa
Pedro Vidal Ramos: contrabaixo
Juquinha: bateria
João Gilberto, António Carlos Jobim e Walter Santos: coro em "Chega de Saudade"
Secção de cordas não identificada
Reedição 2008
Remasterização: Nelson Canoa em Estúdios Canoa
Texto: João Santos
Design: Travassos
Produção: Mbari
1- Chega de Saudade (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
2- Serenata do Adeus (Vinicius de Moraes)
3- As Praias Desertas (António Carlos Jobim)
4- Caminho de Pedra (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
5- Luciana (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
6- Janelas Abertas (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
7- Eu Não Existo Sem Você (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
8- Outra Vez (António Carlos Jobim)
9- Medo de Amar (Vinicius de Moraes)
10- Estrada Branca (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
11- Vida Bela (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
12- Modinha (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
13- Canção do Amor Demais (António Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
Ficha Técnica 1958
Elizete Cardoso: voz
António Carlos Jobim: arranjos, direcção de orquestra e piano
João Gilberto: violão
Irany Pinto: violino e direcção de orquestra
Nicolino Cópia (Copinha): flauta
Gaúcho e Edmundo Maciel: trombones
Herbert: trompa
Pedro Vidal Ramos: contrabaixo
Juquinha: bateria
João Gilberto, António Carlos Jobim e Walter Santos: coro em "Chega de Saudade"
Secção de cordas não identificada
Reedição 2008
Remasterização: Nelson Canoa em Estúdios Canoa
Texto: João Santos
Design: Travassos
Produção: Mbari
Ruben Alves - Súbito
“Súbito” simboliza todas as mudanças que me acontecem de uma forma repentina e que me transformam continuamente. É uma homenagem ao tempo, uma reconciliação. Ruben Alves
Julho de 2008 e o momento é este: por entre os ensaios diários para “CABARET” – de que é Director Musical – Ruben Alves aceitou o convite para integrar o grupo que acompanhou Mariza nas primeiras apresentações ao vivo do seu novo álbum.
Simultaneamente, grava para João Gil e mantém activo o Ruben Alves Trio (com Yuri Daniel e José Salgueiro) – dando descanso ao Ruben Alves Ensemble (Paulo Gaspar, Pedro Carneiro, Massimo Cavalli e Alexandre Frazão) e a um Duo com o vibrafonista Pedro Carneiro.
Frescas ainda na memória de todos os que seguem as programações televisivas nacionais estarão as suas participações na cerimónia dos “GLOBOS DE OURO” – interpretando, com António Rosado, uma versão para dois pianos da “Rhapsody in Blue”, de George Gershwin –, na última série da “OPERAÇÃO TRIUNFO” e, mais recentemente, em “À PROCURA DE SALLY”.
Não será nossa intenção começar pelo currículo, nem tornar este um caso modelar. O que se discute aqui não é mais que o quotidiano de um músico profissional português. Mas servirá como ponto de partida para se chegar a “SÚBITO”, este CD de que Ruben é titular e que marca o início da actividade da MBARI enquanto editora.
É que não serão muitos os casos de músicos que, por entre uma agenda tão obviamente sobrecarregada, insistam em desconstruir os discursos que os definem na esfera pública – tremendamente simplificadores e, na melhor das hipóteses, presos a pouco mais que uma “ideia forte”.
Julho de 2008 e o momento é este: por entre os ensaios diários para “CABARET” – de que é Director Musical – Ruben Alves aceitou o convite para integrar o grupo que acompanhou Mariza nas primeiras apresentações ao vivo do seu novo álbum.
Simultaneamente, grava para João Gil e mantém activo o Ruben Alves Trio (com Yuri Daniel e José Salgueiro) – dando descanso ao Ruben Alves Ensemble (Paulo Gaspar, Pedro Carneiro, Massimo Cavalli e Alexandre Frazão) e a um Duo com o vibrafonista Pedro Carneiro.
Frescas ainda na memória de todos os que seguem as programações televisivas nacionais estarão as suas participações na cerimónia dos “GLOBOS DE OURO” – interpretando, com António Rosado, uma versão para dois pianos da “Rhapsody in Blue”, de George Gershwin –, na última série da “OPERAÇÃO TRIUNFO” e, mais recentemente, em “À PROCURA DE SALLY”.
Não será nossa intenção começar pelo currículo, nem tornar este um caso modelar. O que se discute aqui não é mais que o quotidiano de um músico profissional português. Mas servirá como ponto de partida para se chegar a “SÚBITO”, este CD de que Ruben é titular e que marca o início da actividade da MBARI enquanto editora.
É que não serão muitos os casos de músicos que, por entre uma agenda tão obviamente sobrecarregada, insistam em desconstruir os discursos que os definem na esfera pública – tremendamente simplificadores e, na melhor das hipóteses, presos a pouco mais que uma “ideia forte”.
Ou seja, contrariando as expectativas, o que Ruben Alves arriscou fazer foi, num momento de intensa exposição mediática, sugerir uma outra visão: mais do que sobre aquilo que ele é, sobre aquilo que pode ser. Essa decisão revela uma complexidade que evita qualquer preocupação sobre questões de identidade ou de imagem. E obriga-nos a falar do mais importante: da Música.
Na origem de “SÚBITO” esteve um impulso muito simples: num momento de enérgica actividade formal, apresentar-se em dois recitais (no bar do Teatro A Barraca, a 1 de Março e 18 de Outubro de 2007), perante uma plateia de amigos e convidados, e improvisar livremente.
Nesse momento confluíram num mesmo fluxo novas ideias, memórias, figuras familiares, melodias mais ou menos conhecidas – daí Ruben nos falar de uma “homenagem ao tempo”. Na natureza do exercício reside a surpresa, todos sabemos. Mas nenhuma será maior do que a (quase total) ausência de elementos próximos do jazz neste disco.
Ainda que, na aparência, estas improvisações partilhem do espírito do género, na prática o que delas resulta é o emergir de uma meta-linguagem pianista com pontes óbvias para o que têm feito tantos músicos de jazz nos últimos anos (Marilyn Crispell, Paul Bley, Sylvie Courvoisier, Bernardo Sassetti, etc) e que aponta para o culto de um caminho progressivamente mais individual.
Duas influências como Keith Jarrett ou Brad Mehldau revelar-se-ão mais decisivas noutro contexto ou numa futura edição, mas por aqui pairam. Até porque, em “SÚBITO”, pressentem-se ainda afinidades com perfis mais clássicos, que identificaríamos suspensos entre o romantismo tardio e impressionismo do princípio do século passado (por exemplo, no que vai de Ravel a Debussy) e o modernismo moderado na obra para piano de compositores como Samuel Barber, Manuel de Falla ou Heitor Villa-Lobos. Daí ao minimalismo ou à “Música Callada” de Mompou será um pequeno passo.
Claro que é meramente retórico, neste contexto, reduzir seja o que for à soma das suas influências. As especulações são nossas, enquanto editores, e funcionaram mais como uma base sobre a qual estabelecer com o Ruben um diálogo que, objectivamente, pudesse culminar na escolha do repertório, no alinhamento, na definição dos títulos dos temas e na própria arte gráfica da edição.
Ainda que, na aparência, estas improvisações partilhem do espírito do género, na prática o que delas resulta é o emergir de uma meta-linguagem pianista com pontes óbvias para o que têm feito tantos músicos de jazz nos últimos anos (Marilyn Crispell, Paul Bley, Sylvie Courvoisier, Bernardo Sassetti, etc) e que aponta para o culto de um caminho progressivamente mais individual.
Duas influências como Keith Jarrett ou Brad Mehldau revelar-se-ão mais decisivas noutro contexto ou numa futura edição, mas por aqui pairam. Até porque, em “SÚBITO”, pressentem-se ainda afinidades com perfis mais clássicos, que identificaríamos suspensos entre o romantismo tardio e impressionismo do princípio do século passado (por exemplo, no que vai de Ravel a Debussy) e o modernismo moderado na obra para piano de compositores como Samuel Barber, Manuel de Falla ou Heitor Villa-Lobos. Daí ao minimalismo ou à “Música Callada” de Mompou será um pequeno passo.
Claro que é meramente retórico, neste contexto, reduzir seja o que for à soma das suas influências. As especulações são nossas, enquanto editores, e funcionaram mais como uma base sobre a qual estabelecer com o Ruben um diálogo que, objectivamente, pudesse culminar na escolha do repertório, no alinhamento, na definição dos títulos dos temas e na própria arte gráfica da edição.
Muito cedo, nasceu nessas conversas a noção de que o resultado final deveria corresponder a uma ideia de VIAGEM. Com o auxílio de elementos visuais (há fotografias neste CD tiradas na China e na Índia), a selecção e construção desta narrativa sonora teve quase procedimentos cinematográficos. Atente-se aos títulos e parte desta intenção complementará (entre referências que também são musicais à Ásia e ao Médio-Oriente, como em “Tsuru” ou “Levante”) outras, eminentemente mais biográficas (“Cinémathèque”) e íntimas (“Luz”).
Por tudo isto também, no texto do Catálogo de Verão da Fnac (que a este projectos se associou enquanto distribuidor), falávamos de “uma imaginária banda-sonora para uma viagem a solo, cruzando elementos de raiz popular com inesperadas influências”.
Mas há, inevitavelmente, e por mais que tentemos tudo analisar em meia dúzia de linhas, ainda uma dimensão de mistério nesta música – nestes esboços. A que não será alheia a sua capacidade de comunicar e inspirar. Igualmente, a maneira em como muito do que aqui se passa parece perfeitamente coerente e calculado adensa o segredo da sua própria génese – quando teve origem em gravações separadas por mais de seis meses e em duas noites em que Ruben chegou ao piano sem uma pauta e sem um gesto planeado.
Além de que, ouvindo com atenção, pressentem-se outros diálogos: a começar pelo de Ruben com o piano (ouvem-se cordas percutidas, o pedal, a madeira) e a culminar naquilo que a sua voz canta e o que os seus dedos tocam, com espaço para o aleatório (o ranger do banco, o público, as janelas abertas, o trânsito no exterior da sala) e permeável ao que o seu ambiente proporcionava.
Nas muitas histórias de “SÚBITO”, até a escolha da capa parece reflectir essa viagem que o músico sabe fazer só, ainda que com a proximidade e cumplicidade do seu público. Mas nada começa nem acaba em “SÚBITO” – este é apenas o ponto convergente e divergente. E há muito ainda a fazer.
NOTAS BIOGRÁFICAS E CURRICULARES:
Estudos de piano desde os 8 anos. Curso Geral de Música no Instituto Gregoriano. Formação em música improvisada com Mário Laginha e João Paulo Esteves da Silva. Frequência da L’Aula de Barcelona da Berklee College of Music. Interpretações improvisadas nos Ciclos de Cinema Mudo da Cinemateca Portuguesa. Professor e pianista na “OPERAÇÃO TRIUNFO”. Participação no filme “FADOS” de Carlos Saura. Recitais com o poeta Carlos Mota de Oliveira e Janita Salomé. Rubrica de espectáculos “Cantores Improváveis”, no Teatro Maria Matos, com Nicolau Santos, Margarida Pinto Correia, Maria Rueff, Conceição Lino, entre outros. Participações em discos ou espectáculos de Amélia Muge, António Chaínho, Camané, Fausto, João Gil, Mafalda Arnauth, Mafalda Veiga, Maria João, Mariza, Rui Veloso, Sara Tavares, Sérgio Godinho, Vitorino, entre outros. Comissão pela Valentim de Carvalho de um primeiro CD “Paixão – Ruben Alves toca Rui Veloso”. Edição de um segundo CD, “Clara Madrugada”, produzido por Pedro Osório e com a participação de Ricardo Rocha na guitarra portuguesa.
Alinhamento:
1. Alvorada (3:00) 2. Tsuru (7:19) 3. Levante (4:04) 4. Quadra (4:23) 5. Lídia (4:04) 6. Oleiros (5:24) 7. Caravana (5:03) 8. Súbito (4:09) 9. Cinémathèque (4:43) 10. Vozes (5:18) 11. Luz (2:30)
Ficha Técnica
Gravado ao vivo por Samuel Nascimento a 1 de Março e 18 de Outubro de 2007 no bar do Teatro “A Barraca”, em Lisboa Misturado em Vale de Lobos Estúdio por Rui Guerreiro Masterizado por Christian Guggenbühl Fotografia: Cláudio Garrudo, Susana Pimpão e Alexandra Libanio Design: Travassos Produção: Ruben Alves (www.myspace.com/alvesruben) Produção Executiva: Mbari
Por tudo isto também, no texto do Catálogo de Verão da Fnac (que a este projectos se associou enquanto distribuidor), falávamos de “uma imaginária banda-sonora para uma viagem a solo, cruzando elementos de raiz popular com inesperadas influências”.
Mas há, inevitavelmente, e por mais que tentemos tudo analisar em meia dúzia de linhas, ainda uma dimensão de mistério nesta música – nestes esboços. A que não será alheia a sua capacidade de comunicar e inspirar. Igualmente, a maneira em como muito do que aqui se passa parece perfeitamente coerente e calculado adensa o segredo da sua própria génese – quando teve origem em gravações separadas por mais de seis meses e em duas noites em que Ruben chegou ao piano sem uma pauta e sem um gesto planeado.
Além de que, ouvindo com atenção, pressentem-se outros diálogos: a começar pelo de Ruben com o piano (ouvem-se cordas percutidas, o pedal, a madeira) e a culminar naquilo que a sua voz canta e o que os seus dedos tocam, com espaço para o aleatório (o ranger do banco, o público, as janelas abertas, o trânsito no exterior da sala) e permeável ao que o seu ambiente proporcionava.
Nas muitas histórias de “SÚBITO”, até a escolha da capa parece reflectir essa viagem que o músico sabe fazer só, ainda que com a proximidade e cumplicidade do seu público. Mas nada começa nem acaba em “SÚBITO” – este é apenas o ponto convergente e divergente. E há muito ainda a fazer.
NOTAS BIOGRÁFICAS E CURRICULARES:
Estudos de piano desde os 8 anos. Curso Geral de Música no Instituto Gregoriano. Formação em música improvisada com Mário Laginha e João Paulo Esteves da Silva. Frequência da L’Aula de Barcelona da Berklee College of Music. Interpretações improvisadas nos Ciclos de Cinema Mudo da Cinemateca Portuguesa. Professor e pianista na “OPERAÇÃO TRIUNFO”. Participação no filme “FADOS” de Carlos Saura. Recitais com o poeta Carlos Mota de Oliveira e Janita Salomé. Rubrica de espectáculos “Cantores Improváveis”, no Teatro Maria Matos, com Nicolau Santos, Margarida Pinto Correia, Maria Rueff, Conceição Lino, entre outros. Participações em discos ou espectáculos de Amélia Muge, António Chaínho, Camané, Fausto, João Gil, Mafalda Arnauth, Mafalda Veiga, Maria João, Mariza, Rui Veloso, Sara Tavares, Sérgio Godinho, Vitorino, entre outros. Comissão pela Valentim de Carvalho de um primeiro CD “Paixão – Ruben Alves toca Rui Veloso”. Edição de um segundo CD, “Clara Madrugada”, produzido por Pedro Osório e com a participação de Ricardo Rocha na guitarra portuguesa.
Alinhamento:
1. Alvorada (3:00) 2. Tsuru (7:19) 3. Levante (4:04) 4. Quadra (4:23) 5. Lídia (4:04) 6. Oleiros (5:24) 7. Caravana (5:03) 8. Súbito (4:09) 9. Cinémathèque (4:43) 10. Vozes (5:18) 11. Luz (2:30)
Ficha Técnica
Gravado ao vivo por Samuel Nascimento a 1 de Março e 18 de Outubro de 2007 no bar do Teatro “A Barraca”, em Lisboa Misturado em Vale de Lobos Estúdio por Rui Guerreiro Masterizado por Christian Guggenbühl Fotografia: Cláudio Garrudo, Susana Pimpão e Alexandra Libanio Design: Travassos Produção: Ruben Alves (www.myspace.com/alvesruben) Produção Executiva: Mbari
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