Mas alguma vez conseguirá a guitarra portuguesa libertar-se do fado?
Não, nunca conseguirá. É uma inconsciência acreditar nisso. No século XX, apareceram dois guitarristas e isso é que é uma coisa fenomenal, tão fenomenal que não poderia acontecer em nenhum outro país. Apareceram apenas o Carlos Paredes e o Pedro Caldeira Cabral, que entregaram toda a sua existência a uma ideia. Foi completamente inglório e em vão, mas ainda bem que o fizeram. Dedicaram a sua vida a tentar pôr a guitarra num determinado nível, completamente distante e dissociado dos fados. (…) Qualquer pessoa que caia na guitarra, que opções tem? Nenhumas. Porque ao mesmo tempo este instrumento foi muito bem conseguido para a primeira função de todas, que é acompanhar. Ou seja, quero transformar isto em quê? Num instrumento de concerto? Não me façam rir, isso é uma anedota. Pago o bilhete para ir ver um concerto desses. Mas bem tocado, não é aquilo que se vê às vezes por aí: "Concerto de guitarra portuguesa com orquestra". Uma paródia deprimente. Qualquer pessoa com o mínimo de lucidez vai ver aquilo e desata a rir.
"Luminismo", o seu novo álbum, é um segundo passo na recuperação do percurso solístico da guitarra portuguesa?
Não é recuperar, é tentar andar para trás com o tempo e preencher esse tempo com uma coisa que esteve sempre ausente. O que este e o outro disco representam para mim é um retroceder no tempo e preenchê-lo com uma linguagem que nunca esteve presente na guitarra, no século XX.
Foi uma experiência isolada, nascida desse encontro feliz, ou veremos Ricardo Rocha, o guitarrista, a compor para piano no futuro?
Acho que nem para piano nem para guitarra. Já estou um bocado farto. Aliás, muito farto. Eu já fiz o que tinha a fazer. Poderia fazer mais peças, mas eu já construí o repertório solístico para a guitarra portuguesa. O que é que isso me traz? O Carlos Paredes era funcionário público e isso foi a sua sorte. Se não tivesse tido a sorte de ter aquele emprego no [Hospital de] São José, uma labuta diária, continuaria a tocar e a compor, mas tocaria no metro e viveria de esmolas. Essa é a verdade. Só no final dos anos 80 e nos anos 90 é que começou a ter umas "tournées", mas no seu apogeu, na sua fase brilhante, não tinha nada. Como é que ele sobreviveria a tocar o instrumento que tocava? Não sobrevivia. Estaria completamente condenado e é um dos maiores génios da guitarra portuguesa. Agora, tudo se mantém. O que é que vale a pena? O que é que se tira daqui? É tudo em vão. Portanto, acho que não vou fazer mais nada.
Mas não existe o desejo artístico de cumprir um percurso, a vontade de concretizar algo a que se entregou?
A ideia do músico romântico encaixa no século XIX, não agora. Agora ninguém acredita em nada. Os valores nem sequer se inverteram, deixaram de existir. As regras do jogo da sociedade também são outras. Esse lado romântico, só se for com uma arma na cabeça, para dar um tiro. É tudo inglório, tudo em vão. E aquilo que não o é, é descartável. Usar e deitar fora. Não nasci no século XXI e não tenho nada a ver com o que se passa agora. Não me enquadro nesta histeria, neste relativizar de tudo, na ausência de selectivismo. Tudo vale o mesmo, tudo é igual. Portanto, não há futuro nenhum. Ir acompanhando, fazendo umas coisas... futuro nenhum.
Não, nunca conseguirá. É uma inconsciência acreditar nisso. No século XX, apareceram dois guitarristas e isso é que é uma coisa fenomenal, tão fenomenal que não poderia acontecer em nenhum outro país. Apareceram apenas o Carlos Paredes e o Pedro Caldeira Cabral, que entregaram toda a sua existência a uma ideia. Foi completamente inglório e em vão, mas ainda bem que o fizeram. Dedicaram a sua vida a tentar pôr a guitarra num determinado nível, completamente distante e dissociado dos fados. (…) Qualquer pessoa que caia na guitarra, que opções tem? Nenhumas. Porque ao mesmo tempo este instrumento foi muito bem conseguido para a primeira função de todas, que é acompanhar. Ou seja, quero transformar isto em quê? Num instrumento de concerto? Não me façam rir, isso é uma anedota. Pago o bilhete para ir ver um concerto desses. Mas bem tocado, não é aquilo que se vê às vezes por aí: "Concerto de guitarra portuguesa com orquestra". Uma paródia deprimente. Qualquer pessoa com o mínimo de lucidez vai ver aquilo e desata a rir.
"Luminismo", o seu novo álbum, é um segundo passo na recuperação do percurso solístico da guitarra portuguesa?
Não é recuperar, é tentar andar para trás com o tempo e preencher esse tempo com uma coisa que esteve sempre ausente. O que este e o outro disco representam para mim é um retroceder no tempo e preenchê-lo com uma linguagem que nunca esteve presente na guitarra, no século XX.
Foi uma experiência isolada, nascida desse encontro feliz, ou veremos Ricardo Rocha, o guitarrista, a compor para piano no futuro?
Acho que nem para piano nem para guitarra. Já estou um bocado farto. Aliás, muito farto. Eu já fiz o que tinha a fazer. Poderia fazer mais peças, mas eu já construí o repertório solístico para a guitarra portuguesa. O que é que isso me traz? O Carlos Paredes era funcionário público e isso foi a sua sorte. Se não tivesse tido a sorte de ter aquele emprego no [Hospital de] São José, uma labuta diária, continuaria a tocar e a compor, mas tocaria no metro e viveria de esmolas. Essa é a verdade. Só no final dos anos 80 e nos anos 90 é que começou a ter umas "tournées", mas no seu apogeu, na sua fase brilhante, não tinha nada. Como é que ele sobreviveria a tocar o instrumento que tocava? Não sobrevivia. Estaria completamente condenado e é um dos maiores génios da guitarra portuguesa. Agora, tudo se mantém. O que é que vale a pena? O que é que se tira daqui? É tudo em vão. Portanto, acho que não vou fazer mais nada.
Mas não existe o desejo artístico de cumprir um percurso, a vontade de concretizar algo a que se entregou?
A ideia do músico romântico encaixa no século XIX, não agora. Agora ninguém acredita em nada. Os valores nem sequer se inverteram, deixaram de existir. As regras do jogo da sociedade também são outras. Esse lado romântico, só se for com uma arma na cabeça, para dar um tiro. É tudo inglório, tudo em vão. E aquilo que não o é, é descartável. Usar e deitar fora. Não nasci no século XXI e não tenho nada a ver com o que se passa agora. Não me enquadro nesta histeria, neste relativizar de tudo, na ausência de selectivismo. Tudo vale o mesmo, tudo é igual. Portanto, não há futuro nenhum. Ir acompanhando, fazendo umas coisas... futuro nenhum.