Isto podia vir crivadinho de citações do Heidegger sobre a autenticidade e inautenticidade do dasein. Podia vir e não vem. Reparem na subtileza do “e”... Qualquer selvagem tosco escreveria “mas” – e lá era mais um a cair de borco no lameiro do que não é. Raio de mania, a dos pares de opostos – quando não há opostos. Nem pares. E isto agora podia vir crivadinho de citações do Lacan, aspas, itálicos e notas de rodapé. Podia vir e não vem.
Podia vir – e para quê? Alicerces de uma esperteza estrangeira para os prédios de Alfama, com barriga e sem? Aqui, aqui ainda cresce o cabelo à santinha de Arcozelo. Argumente-se, pois, sem muletas; argumente-se miraculado: há muito manco que gosta de jogar à bola. O que vem, o que aí vem, não traz muletas. Traz uma mão-cheia de rebuçados e uma máquina de sulfatar com estricnina. E não manqueja.
O que vem, o que vem aí, são formas físicas visíveis por debaixo da roupa – e sem interiores, com sombras húmidas e despudoradas. Pouca vergonha, felizmente. Quem já ouviu, diz que é uma espécie de festa debochada no Posto de Comando das Forças Armadas – ou três indivíduos de gabardine nas cercanias de um parque infantil. Ou de um centro de dia. E isto é bom. É justo e é bom.
O que aí vem, pois que vem, é Feromona. Da boa. Caseira! Com cheiro a corpo, ao cheiro que o corpo deixa aqui e ali, à procura. Estranhamente, ou não, cheira também a uma outra qualquer coisa intemporal e recorrente, como lanches de pão com manteiga e leite com chocolate. Resulta. Já os antigos diziam que era a feromona que trazia isto tudo entregue aos bichos. E agora a Feromona é a seta grande e bem desenhada que, num moderno powerpoint, nos mostra a parede em que esbarramos. Os bichos riem, nós esfacelamos a testa e juramos pelas alminhas que sim, que vemos o sangue a pingar-nos do sobrolho, que está ali a parede e batemos nela, por destino ou desforço. Manhosa como só ela, a Feromona, ao segundo clique, é também a segunda seta, grande e bem desenhada, que aponta para a legenda “É cartão, ó estúpido!”. Nem tão pouco tabique; é mesmo só cartão. É brincar aos filmes de isto ser como nos filmes.
O que vem aí, e vem mesmo, são três fulanos a levantar as saias à verdade e a fazer canções que contam o que lá está. Depois de “Uma Vida a Direito”, a Feromona como que pegou n’O Verbo Escuro, de Pascoaes, (sim, este pretende ser o texto mais pretensioso alguma vez escrito sobre um disco) e compenetrou-se de que “A natureza abomina a linha recta.” Quem já ouviu, diz que é como uma maçã Bravo de Esmolfe, só que de enxerto novo; tem sumo e arranha a garganta – ou um UMM kitado, desabrido Vasco da Gama afora. E isto é bom. É justo e é bom.
É que o que vem, que está mesmo aí a chegar, é o segundo álbum da Feromona, amadurecido em cascos de calvário - voluntarista, claro; dois anos a tocar o bem sem olhar a quem – e marcha que é uma beleza. Quem já ouviu diz que é mesmo assim: o que aí vem é um disco que nos arranca aquele meio-riso nervoso de quem percebe ‘qu’isto é muita bom’ quando já era essa a expectativa. Não há surpresa maior que a de confirmarmos que até cidadãos ordinários como vocês, podem, esparsamente, ter razão. Ela quer, o homem sua, a Feromona nasce – e é uma sorte do caraças que ela venha engarrafada em rodelas de plástico, a preço módico, que se podem ouvir naqueles lasers pequeninos que não dão para operações à próstata. E vem aí. Chega antes do TGV.
Paulo Lopes Graça