segunda-feira, 10 de maio de 2010

Tiago Guillul "V"


Durante anos de relativa invisibilidade mediática, Tiago Guillul foi para si criando um espaço tão singular que às tantas parecia ser impossível situá-lo no mapa. Não que isso se desse apenas pela invulgaridade da sua proposta ou pelo radicalismo da sua condição. Era antes o caso de pouca gente saber o que fazer com um pregador tornado músico, tornado blogger, skater, cronista e pai de família numerosa, capaz de, subitamente, colocar em sobressalto visões mais simplistas do mundo e em simultâneo assumir o menos complexo dos rótulos estéticos: o de panque-roquer bem temperado pela evidência de não podermos festejar como se estivéssemos em 1979.

Hoje, a tão pouca distância, é claro que, pelo menos na especialidade, se desmistificou já a circunstância do seu articulado baptismo artístico. E Guillul – conferir as críticas ao anterior “IV” – viu-se celebrado e aceleradamente jubilado, incluído nas mais diversas agendas, uma rede social à espera de acontecer, e antídoto para o adormecimento da música popular cantada em português.

Agora, longe da unanimidade e ainda mais do consenso – não que a tal aspire –, vê-se chegada a hora de um primeiro balanço. E “V”, o seu quinto álbum, por mais que continue a operar num tempo estritamente pessoal, olha suficientemente para trás para fazer disparar a memória de quem na altura certa lhe ousou tomar o pulso. E essa será a menos calculada das novidades que nos traz. Tudo porque, de repente, faltou diversão à música feita em Portugal – que seja Guillul a lembrá-lo prova que continua a escrever direito por linhas tortas (e a produzir mais one-liners por minuto do que o gabinete das Produções Fictícias). Middle-class kids just wanna have fun too.
Com um elenco tão inesperado quanto previsível – incluindo Rui Reininho, Samuel Úria, Quim Albergaria e membros d’Os Pontos Negros – mergulha na mais fabricada das nostalgias, conciliando recordações de férias de Verão (´Praia Verde’), antigos Campeonatos do Mundo de Futebol (no vídeo para ‘São Sete Voltas Para a Muralha Cair’), êxtase de roque de garagem (‘Barreiro Rock City’), hipnose devocional ao jeito do Antigo Testamento (‘Sacudindo o Pó dos meus Pés’), embirração política (‘Canção para o Doutor Soares’), um cisma religioso (‘Roma e Avinhão’) e um cisma familiar (‘Canção para a Maria Não Furar as Orelhas’), fixando-os genericamente num momento histórico que pode ou não ter origem no instante em que os Aerosmith entraram pela parede do estúdio dos Run-DMC adentro.

Mas esta investida pelos anos 80 – e é disso que em parte se trata – não é feita por um imberbe nascido em 1992 e agora chegado à maioridade. Ou seja, isto não é uma guerra de estilo mas antes a sublimação de uma biografia: pois, aqui, Guillul mais depressa diz Su-Subbuteo do que “Suss-Sussudio” e com mais dedicação revê a RTP do que a MTV. É o disco de quem do Hip Hop guardou os ténis e do Metal as revistas. É para suar a lycra.

Ligeiramente a borrifar-se para o esperado, mas ainda e sempre resistindo ao invasor, “V” poderá bem vir a ser o mais descomprometido e ligeiro álbum a chegar-nos das mãos daquele que, em princípio, havia surgido para nos garantir tudo menos conforto, na sua batalha final pela evangelização. Nem que fosse só por isso, bem-haja. Problemas já temos que cheguem.