quinta-feira, 10 de novembro de 2011

B Fachada "B Fachada" (Texto de Apresentação)


Nas lojas a 2 de Dezembro


Concerto de lançamento em Lisboa:
Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, no dia 21 de Dezembro, pelas 21h00. Bilhetes já à venda!

Outras datas:
3 Dezembro – Teatro Viriato, Viseu (2 concertos com banda: às 16h00, para crianças, apresentação de "B Fachada é Pra Meninos"; às 21h30, concert para o público geral)
6 e 7 de Dezembro - Culturgest, Porto (dois concertos em piano solo)
9 Dezembro – Café-Concerto do Centro Cultural Vila Flor (solo, apresentação de "B Fachada")

Sob o pretexto de gerir expectativas de confessionalismo nas suas letras, B Fachada transforma com frequência biografia em alegoria. E essa acaba por ser uma recorrente linha de força nos textos em que apresentamos os seus discos. E sublinhamos habitualmente aqueles momentos em que B Fachada, mais do que compositor e intérprete, é antes, como tantas outras, uma personagem com vida independente dentro das (suas) canções. A administração deste dispositivo, mais do que sarcástica, revela essencialmente uma estratégia que enfatiza uma das problemáticas da música popular e emprega o paradoxo enquanto veículo para a desconstrução – ou, no mínimo, exposição – das convenções que lhe estão associadas. É, também, embora longe de única, uma forma peculiar de comunicar ideias àqueles que o ouvem. Porque o equilíbrio entre o real e o fictício, ao longo destes quatro anos em que o Bernardo se impôs como um caso à parte no meio artístico português, transformou-se num traço de identidade tão celebrado quanto os seus recursos estilísticos. A opção de não nomear o seu quarto álbum – ou, como no disco de Dezembro de 2009, permitir-lhe novamente a designação de “B Fachada” – é, como se costuma dizer, uma espécie de enigma dentro de outro.

E, no entanto, se podemos afirmar que este “B Fachada” é, à primeira vista, o que se presta claramente a uma leitura autobiográfica, a verdade é que se dá mais o caso de nele encontrarmos a personagem em busca do seu autor. Isto é, aparentemente, tratar-se-ia de tentar desvendar o mistério da criação e da origem – ou de lhe encontrar sentido – numa visita guiada pelo mais privilegiado dos intermediários. Por isso logo se poderia concluir que, ainda mais do que no passado, tudo aqui seria sobre Fachada. Mas o facto é que a audição destas canções desmente a asserção. Porque, como tantas vezes se provou, há momentos em que o artista olha para dentro apenas para encontrar o outro. Assim – embora, como sempre, possam estas canções ganhar vida e razão longe desta ideia –, a menor das ilusões em torno deste “B Fachada” é a de que, mais do que método, inspiração ou moral, lhe interessa falar sobre a sua musa. Talvez por isso soe tão humilde, ainda que nada comprometa em termos de arrojo estético: porque será evidente que aplica aqui inusitadas soluções formais e dá uso a técnicas que contrariam a actual agenda da produção discográfica, e, mais uma vez, ninguém poderá negar a crescente maturidade com que lida com os materiais à sua disposição. Mas, com a naturalidade daqueles que nada têm a provar, a transparência com que apresenta num mesmo plano a arte, o objecto e o meio dá livre acesso a um ideário que noutros momentos traduziu em parábola e que agora aparenta partilhar em discurso directo.

Nessa perspectiva, não se pense que abandona o assunto que mais se discutiu por alturas de “Deus, Pátria e Família”. Pelo contrário, aprofunda-o. Porque tal como o narrador desse tema de 20 minutos, também aqui se encontra no pessoal, e não no colectivo, o cenário para a mais política das transformações: a do indivíduo. Aquele que – descodificando imagem pública – em ‘Roupa de Estrada’ canta “Quem me deu as mentiras para ser eu/ Vou tentando ser decente/ Num Fachada bem diferente do meu” ou em ‘Não Pratico Habilidades’ diz “Podes fazer o que quiseres/ Eu deixo gozar comigo por não ser cantor” para acrescentar “Canto a minha pirosada/ Para te chegar ao calcanhar”. Aliás, muito deste disco é, em última análise, uma reflexão sobre o juízo e a crítica, permeável à opinião alheia e capaz de responder com clareza a apreciações favoráveis ou desfavoráveis. É só mais uma camada de significados para esse diálogo cantar em ‘Sozinho no Róque’ que está “Mais a rimar, nem tanto a ser poeta/ A dominar a música discreta” ou, de novo em ‘Roupa de Estrada’, fazer referência ao seu ciclo semestral de edições e à própria natureza deste novo CD com a frase “Nunca um tema foi eterno/ Tudo volta a ser moderno/ Ponho aquele meu tom mais terno/ Nasce um disco, amor, para ouvires no teu inverno”.

Depois há, com a ligeireza e acessibilidade de sempre, vinhetas da vida privada, como o “Ponho as gotas no cabelo/ E uma reza eficaz” de ‘Cantar o Apelo’, o “Tu trabalhas junto a mim até te dar o sono/ Eu só durmo quando enfim a cantiga já tem dono” de ‘Os 2 no Polibã’ ou o “Vens ouvi-lo a dizer coisas/ Que dão a entender/ Que isto assim contigo é que é viver” de ‘Barriga pelo Amigo’. E, inevitavelmente, a menção a um ambiente musical em que se percebem umas coisas enquanto outras permanecem duvidosas, desta feita sintetizada num ‘Está na Hora da Passa’ em que se afirma que “Quando o dia desenlaça/ Está na hora da passa/ Fica tudo com mais graça/ Excepto a prenda de Alcobaça” e se dedica estes versos aos meninos e meninas da Cafetra que, em estúdio, marcaram com palmas o ritmo: “Fazem mal a coisa certa/ Há que ouvir o tio careca/ Porque a barba mal desperta/ É preciso andar para a Fetra”. Mas é quando cai o pano sobre o disco que mais ele se revela, com a dedicatória de ‘Mané-Mané’ (“Já não basta todo o dia a levar com a guitarrada/ Vai, faz um disco só sobre ti”) e, escondido em fundo tropical, o conselho “Quando acaba a cantoria/ Parece fácil, é magia/ Mas não basta uma certa piada/ Para ser o B Fachada// Tentas muito compreender/ O que acabou de acontecer/ Se ainda assim eu não consigo te agradar, então/ Usa a vida para viver/ Usa a vida para viver/ Usa a vida para viver/ Usa a vida para viver”.

Como é costume, nada é bem o que parece. E, mais uma vez, sem poder ter outra origem, soa diferente um disco novo de B Fachada em que permanece a ambição de explorar os limites da sua linguagem. Num universo autoral progressivamente mais distinto, ensaia – numa monumental balada, num solene refrão, num inusitado solo de guitarra, num obtuso efeito no piano, numa captação vocal inédita, em mil e uma vozes, num estranho interlúdio instrumental, numa citação de um tema de Norberto Lobo que lança para o cosmos – algo de semelhante ao que fez em “B Fachada é Pra Meninos”: quanto mais joga com arquétipos, maior a sua recusa do normativo.