segunda-feira, 28 de maio de 2012

Os Quais "Pop é o contrário de Pop"

Já passaram três anos desde que o rockeiro (pelo menos para os parâmetros bossa-novistas dos que já lhes conheciam as canções) EP "Meio Disco" fez sair da toca esta dupla. Afinal, o Jacinto e o Tomás, que tocam e cantam juntos desde os tempos de escola, davam-se a ouvir descontraidamente e não iam mudar de vida só porque sobre eles se escreveram maravilhas:
“Os Quais fizeram de um meio disco uma ideia inteira”, Nuno Galopim (DN); “O disco inteiro promete”, João Lisboa (EXPRESSO); “Apenas seis músicas mas todas elas imprescindíveis”, Frederico Batista (SAPO.pt); “Entre a Lisboa letrada e a enganadora leveza da música brasileira”, Lia Pereira (BLITZ); “Tem rocks e pops e bossas e constrói uma ideia de personalidade”, Mário Lopes (PÚBLICO); “É «Meio Disco» mas já é muita coisa”, Davide Pinheiro (DISCO DIGITAL); “A qualidade de um disco inteiro”, Rui Dinis (A TROMPA); “Destes aventureirismos estamos necessitados”, Gonçalo Palma (COTONETE).
Mas também porque levaram o desafio à letra, cuidaram em coligir responsavelmente aqueles materiais que melhor os representavam e convocar amigos barra-limpa: Domenico Lancellotti (ritmista, cantor, compositor, integrante do trio +2 e baterista de Adriana Calcanhotto, autor em 2011 do álbum "Cine Privê", em que se inclui a doce 'Os Pinguinhos', canção escrita em parceria com o Tomás), Alberto Continentino (ás do baixo que tocou com meio mundo no Brasil e que também grava com Calcanhotto), Ricardo Dias Gomes (da banda Cê de Caetano Veloso e também da Do Amor), Pedro Sá (guitarrista com vastíssimos créditos mas actualmente também integrante da banda de Caetano), Bruno Medina (dos Los Hermanos) ou - em 'Bunganvília' - Péricles Cavalcanti (cantor, compositor e teórico, com originais gravados desde a década de 70 pelas vozes de Caetano, Gal ou Arnaldo Antunes); e do lado de cá criaram bases rítmicas no contrabaixo de Hernâni Faustino e na bateria de Gabriel Ferrandini (músicos de muitas andanças jazz mas colegas no RED Trio).
O resultado é quintessencialmente quaisiano: letras de quem trabalha a língua e está habituado a driblar-lhe os convencionalismos, músicas de quem pinta com olhos de paisagista, focado no panorama geral mas consciente de que deus e o diabo se encontram nos detalhes.
Péricles Cavalcanti sabe. E escreveu-nos o PR:
“Há alguns anos, Nina, minha filha, me disse que queria que eu conhecesse Tomás, um seu amigo português (e de muitos amigos nossos), artista plástico e também músico (que já havia morado aqui em São Paulo e que agora estava de volta a Lisboa) que conhecia música brasileira. Bem, não demorou pra que eu ouvisse algumas gravações dele, com seu parceiro Jacinto, na banda “Os Quais”.
Imediatamente, mesmo antes de ouvir o som, já gostei deste nome de banda: sintético, moderno e auto-irônico. Depois fui ouvindo as gravações, simples, contemporâneas e experimentais e fui gostando ainda mais de tudo o que elas estavam dizendo. Soube que os “nossos amigos” a que Nina se referia eram os músicos do “+2”: Moreno Veloso, Kassin e Domenico Lancellotti e também o guitarrista Pedro Sá, todos, mais ou menos, da mesma geração de Tomás e Jacinto, e soube, também, que aqueles faziam o som brasileiro atual com que estes se identificavam mais.
Logo em seguida, eu e Tomás ficamos amigos, via e-mails, e ele me encomendou uma vinheta com o tema “futurismo” para uma das gravações do primeiro disco de “Os Quais”. Até que ele veio a São Paulo e, finalmente, nos conhecemos pessoalmente, conversamos muito e, assim, gostei ainda mais dele.
Isso tudo, de um modo bem resumido, pra chegarmos até este novo ‘pop é o contrário de pop”. Minha participação nele começou com o convite, que eu de pronto atendi, pra dividir os vocais com Jacinto (o que fizemos via internet) na bela “Buganvília”, canção que ecoa, pra mim, algumas canções de Caetano Veloso, artista que faz parte do “paideuma” musical da dupla.
Agora ouço o disco completo e fico mais contente de saber que, além de levar adiante as “explorações de estilo” do primeiro disco, as participações nas gravações se estenderam ainda mais, incluindo alguns daqueles nossos amigos, como por exemplo Pedro Sá, baixo e guitarra, em ‘É adeus”, canção que, “misturando” jeitos luso-brasileiros, diz, candidamente, “Tchau, adeus”. Ou Domenico Lancellotti, na bateria, nesta ‘Bandeira”, com melodia tão bonita, curta e límpida, cuja letra faz uma referência (ou reverência!) sutil ao grande James Brown e que conta, também, com a participação, entre outros, de Bruno Medina (de “Los Hermanos”, outra das referências musicais contemporâneas de ‘Os Quais”) tocando um banjo indiano.
Vale dizer que Domenico é também parceiro de Tomás em “Quem sabe”, além de participar dos vocais nesta faixa que encerra o disco realizando uma “ponte transatlântica lírica” com timbres de celesta e um belo e áspero arranjo de cordas (que lembra o som de rabecas do nordeste brasileiro) de Miriam Macaia.
Outro “link” mais explícito com a música brasileira está nesta canção-resposta-enviesada aos “Caros amigos” de Chico Buarque, “Meu caro amigo Chico” (feita para um filme documentário) em cuja letra são citados, também, ícones da cultura pop universal, como Paul McCartney e Fred Astaire, numa faixa que tem a participação, entre outros, do brasileiros Ricardo Dias Gomes (da banda “Do amor”), no piano Fender Rhodes e em que vale destacar o ótimo arranjo para metais do português José Castro.
Quando ouço a musica de “Os Quais”, inevitavelmente, penso nas relações culturais luso-brasileiras, hoje, e é como se Tomás e Jacinto, incorporando elementos de nossa canção moderna (pós-bossanova) que tanto lhes interessam, nos devolvessem, nas deles, de uma forma original, a possibilidade de compreendermos um pouco de nossa própria identidade poético-musical, que para nós, dentro deste “caldeirão”, parece bem menos clara. Não foi à toa que Portugal nos legou nossa língua!
Ouça-se, assim, esta emblemática, “Monossilábica”, em que não há outras participações que não a de Jacinto no vocal e de Tomás, no violão e na guitarra. Esta canção, uma das minhas preferidas no disco, num certo sentido filha direta de uma tradição experimental, traz na letra um exercício lingüístico que, implícitamente, faz uma reflexão sobre o uso pouco usual dos monossílabos em letras de canções em português (língua com um vocabulário composto por palavras e expressões mais extensas), característica essa tão comum em canções na língua inglesa, “naturalmente” mais sintética (o que, presumivelmente, a tornaria mais flexível para as divisões rítmicas!). E tudo isso “acompanhado” por um violão swingado, de inspiração tão brasileira e moderna.
Outra de minhas faixas preferidas, neste disco todo interessante, é esta “Corpo” que eu já conhecia desde uma gravação-demo anterior (que Tomás me enviou) e que sempre me chamou atenção pela delicada e cinematográfica descrição que sua letra faz de um belo corpo feminino, como num plano seqüência de um dos filmes iniciais da Nouvelle Vague: “mais livre teatro das formas exatas”. Lindo! E que ótimo baixo acústico, sinuoso e envolvente, toca o Alberto Continentino, nesta gravação!
“E como poderemos, então, não ver, aí, a beleza!”. Ouça-se, assim, esta outra faixa, “Duas imagens”, uma composição mais “universalmente” pop e que com sua estranheza, na entonação da melodia quase-falada e na letra, por si só, justifica e explica o titulo deste álbum.

É, este pop é mesmo diferente de pop. E não podia ser de outro modo.
Viva!
Péricles Cavalcanti”                                                                                         
“Pop é o contrário de Pop” – e, enquanto palíndromo, ninguém pode rebatê-lo – vai para as lojas dia 1 de Junho.