"Carmen Souza sings in her native creole dialect with an intimacy, sensuality, and vivacity, characterised by a tremendous lightness of touch. Her music has a deceptive simplicity, a rare clarity, derived from a unique mix of influences from her Cape Verdean background to jazz and modern soul creating this beautifully vibrant, largely acoustic, accessible hybrid. World soul music for the 21st century" David Sylvian
Aos poucos – e de forma determinante desde que reside em Londres – Carmen Souza tem-se afirmado globalmente como um dos mais intransigentes e vibrantes símbolos da lusofonia. E no sentido em que a entidade cultural lusófona é intrinsecamente mutante e em constante expansão mas eminentemente inclusiva, é apenas natural que assim seja. Porque se a acção desta lisboeta (nascida em 1981) parte de um signo matricial enraizado na tradição das ilhas de Cabo Verde (a origem da sua família), é pelas encruzilhadas próprias da diáspora que vai construindo um ecléctico programa artístico. Faz todo o sentido que a Mbari, de Norberto Lobo ou Lula Pena, a si se associe.
O tratamento essencialmente plástico que confere aos materiais à sua disposição – e o carácter quase expressionista da sua voz, nesse particular, assume-se tanto um ponto de partida quanto de chegada – sublinha simultaneamente as elásticas afinidades estéticas transatlânticas e o inédito ponto de sincretismo a que chegou. Música afro-cubana, jazz, morna e um conjunto de referências nascidas já de décadas de fusões rítmicas são deglutidas, distendidas e infinitamente recicladas no desenvolvimento de um extático perfil autoral para o qual, ao longo da última década, tem contribuído decisivamente o compositor e baixista Theo Pas’Cal.
Este “London Acoustic Set”, após três álbuns em conjunto – “Ess ê nha Cabo Verde” (2005), “Verdade” (2008) e “Protegid” (2010) – gravados em pontos distintos do globo, e envolvendo dezenas de instrumentistas, e depois de apresentações pelo mundo fora (Portugal, Cabo Verde, Reino Unido, Turquia, Brasil, Alemanha, Holanda, Irlanda, Finlândia, Letónia, Itália, Canadá e uma digressão de 14 datas pelos EUA), marca o regresso de Carmen e Theo numa crua, imperturbável e indissolúvel demonstração de como o radicalismo da sua proposta jamais lhe compromete a íntima beleza e a exuberante comunicabilidade.
O gesto do duo Carmen Souza feat. Theo Pas’Cal é o de depurar e recompor os temas a partir da sua dimensão formal mais indispensável, colocando em evidência as suas qualidades basilares. E depois há, claro, a evocação de uma série de referências – costumam-se apontar os nomes de Nina Simone, Ella Fitzgerald, Maria João, Billie Holiday, Joe Zawinul, Édith Piaf (lembrada aqui em ‘Sous le Ciel de Paris’) Return to Forever, Horace Silver (a este histórico pianista de jazz norte-americano, outro descendente de cabo-verdianos, é dedicada a versão do seu imortal ‘Song for my Father’) ou, claro, Cesária Évora – que servem também para avaliar a originalidade do que aqui se ouve.
Gravado quase na íntegra no londrino Green Note (dois temas provêm de um concerto no Liverpool Philharmonic Hall), é uma enérgica e concentrada demonstração de mais-valia criativa com um derradeiro sinal de humildade e generosidade: 50% do valor das suas vendas destina-se ao apoio de importantes iniciativas de intervenção e transformação social – SOS Children’s Villages, Infância sem Racismo, da Unicef e Casa ser Criança, da Abraço, associação que celebra este ano o seu 20º aniversário.