sábado, 4 de outubro de 2008

Vinil I

Por estes dias, chegam às lojas novas edições em vinil de clássicos dos Funkadelic e Velvet Underground. Origem: VINYL LOVERS e 4MENWITHBEARDS.



Os Funkadelic são a possível resposta negra a uma combinação que nunca existiu: a dos Mothers Of Invention, de Frank Zappa, com os Can, numa genealogia que parte de Sly Stone, Jimi Hendrix ou Sun Ra e que se estende até Prince, Dr Dre ou Jimi Tenor. Seja como for, quando em 78, em One Nation Under A Groove, perguntavam “Who Says A Funk Band Can’t Play Rock?”, é óbvio que a questão seria meramente retórica. Afinal, há quase dez anos que demonstravam autoridade sobre o idioma. Criados para acompanhar outra banda de George Clinton - os Parliament – mostravam ao que vinham logo no título do seu segundo álbum: Free Your Mind… And Your Ass Will Follow. E por mais que uns Temptations comandados por Norman Whitfield sugerissem viajar para os astros, poucos revelavam igual domínio sobre as leis da gravidade. Maggot Brain é o terceiro LP dos Funkadelic, e aquele em que sintetizam melhor os seus interesses. A guitarra de Eddie Hazel funciona como motor, em enérgicas explosões, prismáticas emissões de luz e impulsiva combustão psicadélica. Por outro lado, equivalia tudo a uma colectiva exploração de um mundo revelado pelo LSD. Gritos lunáticos, mensagens subliminares, chamadas para viagens interplanetárias, ecos de um paraíso em que a única banda-sonora nasce de acordes tocados aleatoriamente por Hendrix, o toque de alvorada num mundo em que o sexo é tão comunitário quanto uma ida à igreja. O equivalente para a fisiologia auditiva às pretensões que, um ano antes, o filme Gas-s-s-s promulgava para a experiência cinematográfica: imagens que passem directamente no interior do olho humano.




Em 67 ninguém quis saber. Quando os Velvet chegaram a São Francisco incluídos no Exploding Plastic Inevitable, pareceram aos olhos dos hippies, segundo o cronista Charles Perry, “nothing but a self-consciously decadent rock group playing a mannered paraphrase of amateurish high school rock”. As canções falavam de drogas pesadas, que os californianos evitavam, e de perversões demasiado sérias para quem seguia o amor livre. Em Nova Iorque, a cidade em que se formaram, e eternamente associada à sua negra luz, a atenção não foi maior. A ligação a Warhol parece ter funcionado contra si. Quando apareceu uma editora pronta a editá-los, a ideia era que o nome do artista e a imagem de Nico bastariam – não foi bem assim. A História reviu-os isoladamente no panorama musical da década, mas encaixam-se numa linha de dissensão pressentida na bateria tribal dos Monks (Tucker também não utilizava os címbalos), no orientalismo de La Monte Young (que teria entre os acólitos John Cale), no uso da energia de uns Stooges e num tipo de experiências extra-musicais não distantes do sobressalto que viriam a promover os United States Of America. E também Scott Walker ou Jim Morrison cantavam sobre prostitutas e drogas. Nas canções de Lou Reed não se força a imaginação para ouvir rock’n’roll clássico e ecos da invasão britânica – afinal, “Run Run Run” era também um tema dos Who. Mas “Waiting For The Man”, “Venus In Furs” ou “Heroin” sobreviveram e distanciaram-se simultaneamente de tudo isto. E o que é certo é que fizeram mais sentido em 77. Em 87 estavam como peixe na água (o que, como todos sabem, quer dizer: HOJE).