sexta-feira, 29 de maio de 2009

Tó Trips no COTONETE


Escreve Gonçalo Palma: "Tó Trips nasceu para o algarismo 6. Nasceu em '66. Cresceu a dedilhar 6 cordas. E no seu imaginário de viajante, globaliza a Estrada 66 para lá da América, nalgum asfalto português que passe por Esmoriz, nalgum caminho norte-africano que consiga ligar Marrocos ao Egipto.

"Guitarra 66" é uma viagem de Trips para fora, muito para dentro dele mesmo. A partir do estrangeiro, entramos no íntimo do guitarrista como nunca estivemos antes. E nele vemos logo, na capa, a sua mulher Raquel Castro (a quem é dedicado o disco) numa janela com vista para o Cairo.

A capacidade de metamorfose de Tó Trips começa a ser, aliás, admirável. Nunca se imaginou que aquele frontman dos Lulu Blind que nos tinha habituado a um rock garageiro de garras indie rock americanas dentro dos códigos dos Sonic Youth e dos Mudhoney (e no final, dos Smashing Pumpkins) se pudesse converter tão subitamente num não-vocalista e num co-autor de um projecto cinematográfico capaz de citar Carlos Paredes e Ry Cooder, Lisboa e Buenos Aires, Tom Waits e Marc Ribot, através da dupla Dead Combo. Agora, de repente, troca a guitarra eléctrica pela acústica e descobre-se nele um afilhado da folk virtuosa de John Fahey e de Robbie Basho.

"Guitarra 66" é uma espécie de um diário de viagem de Tó Trips, graficamente musicado, que nos revela um homem melancólico, mais desapressado e poético, e desligado do frenesim eléctrico. Claro que o ouvinte também viaja. E imagina-se ele mesmo a fazer a viagem do viajado.

Toma-se uma 'Pinacoolata' nalgum pátio andaluz com boa sombra. Observa-se o formigueiro humano de Nova Iorque (Traffic #1). Olhamos depois, pela janela, para a vista molhada de uma Lisboa antiga debaixo de chuva. E tomamos chá na casa de algum marroquino generoso. Tó Trips leva-nos lá. Do fantasma de Carlos Paredes à raça cigana do flamenco, e com o anel do músico, volta e meia, a percutir no tampo da guitarra (um som de marca de Trips).

"Guitarra 66" é um álbum de temperaturas quentes tocado a preto e branco. Moreno, mediterrâneo, contemplativo. Tó Trips nunca expôs tanto a sua alma. E o que está lá dentro é um mundo."