José Marmeleira entrevista Norberto Lobo.
Pata Lenta traz mudanças. É evidente o fim do som lo-fi de Mudar de Bina, a primeira obra.
Mudar de Bina era uma manta de retalhos. Foi feito em tempos e em sítios diferentes. Em termos da captação de som, este está mais bem produzido e foi gravado num dia, como se fosse um concerto, mas num estúdio.
É também um disco mais “abstracto”. Notam-se menos as referências a um certo universo visual e sonoro. Refiro-me ao Carlos Paredes, à guitarra portuguesa, a Lisboa.
Sim, mas acho que essa associação acontecia essencialmente porque Mudar de Bina tinha uma versão de uma música do Carlos Paredes. Era uma faixa entre dez e nessa altura já me sentia muito distanciado dessas referências. Aliás, gosto de pensar que uma das maneiras das pessoas ouvirem a minha música é deitadas e de olhos fechados. Para mim, um concerto ideal é poder estar a ver a vida enquanto se ouvem sons, melodias. Quando alguém entra nesse estado de abstracção é que as coisas boas acontecem.
Foi esse gosto pela abstracção que o levou a escolher uma pintura de Michael Biberstein [pintor suíço radicado em Portugal há duas décadas] para a capa de Pata Lenta?
Sim. Mal acabei de gravar pensei numa pintura dele para a capa. Achei que havia uma relação e pedi-lhe imagens. Ele aceitou – somos amigos há algum tempo –, sugeriu-me cinco e escolhi uma. A capa é um elemento muito importante, porque dá uma imagem da música, mais do que as letras ou o título.
Títulos como “Marquise Quântica”, “Samantra” ou “Zumbido Azedo” são, portanto, pistas pouco fiáveis para quem queira entrar a fundo no disco.
Vou atrás dos títulos pela sua ambiência e fonética. Surgem por acaso. Alguns foram sugeridos pelo meu irmão [Manuel Lobo], outros inventei como “Samantra”, que é exactamente uma mantra que fiz para o meu amigo Sam. De facto não penso muito nos títulos. Dou-os quando faço um álbum. Por mim nem os usava.
Porquê?
Uma música hoje pode ser uma coisa, mas para o ano pode acabar misturada com outra, ser outra coisa qualquer. Existem, claro, canções, como certas personagens de um romance, que ficam muito bem definidas, que faço em dez minutos e ficam assim para sempre. Mas outras demoram dez anos a ter uma forma definitiva. Isto porque fundo muito as músicas, sobretudo nos concertos, que é quando os títulos perdem importância ou sentido.